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BCE Aumenta Taxas de Juros em 0.75% Novamente e Sinaliza mais Aumentos nas Próximas Reuniões

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O Banco Central Europeu (BCE) anunciou, em 27 de outubro, mais um aumento das taxas de juro em 0.75% (que teve efeito em 2 de novembro), após um aumento de 0.5% em julho e de 0.75% em setembro. A taxa anual de inflação ao consumidor da zona euro foi de 9.9% em setembro e a Eurostat estima uma taxa de 10.7% para outubro.

 

As taxas de juro do BCE são a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento (Main Refinancing Operations Rate); taxa de juros aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez (Marginal Lending Facility Rate); e taxa de juros aplicável a facilidade permanente de depósito (Deposit Facility Rate). Estas taxas estavam a 1.25%, 1.5% e 0.75%, respetivamente. E agora estão a 2%, 2.25% e 1.5%.

 

O balanço do BCE estava pouco acima dos € 8.8 bilhões (o equivalente a € 8.8 trilhões para português do Brasil) até o final de junho. E, no início de julho, o balanço passou por uma ligeira diminuição, atingindo € 8.7 bilhões em 9 de setembro. Porém, desde então, houve um ligeiro aumento, ficando, em 28 de outubro, a um valor de “apenas” € 11 mil milhões acima do atingido em 9 de setembro.

 

De 2015 até hoje, o BCE não diminuiu seu balanço significativamente em nenhum momento. E, desde 2014, manteve as taxas de juro artificialmente baixas, seja a 0% (no caso da Main Refinancing Operations Rate), próximas a 0% (no caso da Marginal Lending Facility Rate) ou negativas (no caso da Deposit Facility Rate).

 

Figura 1 – Taxas de Juro da Zona Euro e Balanço do BCE (2012-2022)

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Main Refinancing Operations Rate (Linha Vermelha, Eixo da Esquerda); Marginal Lending Facility Rate (Linha Verde, Eixo da Esquerda); Deposit Facility Rate (Linha Amarela, Eixo da Esquerda); Balanço do BCE (Linha Roxa, Eixo da Direita).

Fonte: St. Louis Fed – Elaboração Própria.

 

O BCE afirmou que deve continuar a aumentar os juros mesmo havendo um maior risco de recessão. E, segundo Christine Lagarde (presidente do BCE), o processo de redução do balanço do BCE só deve ser iniciado após o fim do ciclo de aumento de juros. Como mencionei aqui e aqui, o BCE não possui muito espaço para aumentar os juros e reduzir seu balanço sem gerar complicações na economia real e/ou no mercado financeiro. O BCE está a aumentar os juros para combater a inflação de preços criada por ele próprio e os governos da zona euro através da enorme compra de títulos de dívidas desses governos (o que aumenta a base monetária), sobretudo em 2020 e 2021 (período em que esta expansão da base monetária foi acompanhada por um aumento significativo do agregado monetário M2, que inclui o dinheiro que efetivamente circula na economia e que realmente influencia os preços ao consumidor). Porém, devido a anos de taxas de juro artificialmente baixas e aumento do balanço do BCE, a economia da zona euro possui diversas más alocações de recursos e pode entrar em recessão caso o BCE siga neste caminho. Por enquanto (ainda não havendo uma recessão profunda e/ou queda significativa de ativos no mercado financeiro), o BCE pode continuar a latir (realizando aumentos graduais de juros, sem reduzir significativamente o balanço) contra o aumento de preços sem presar morder (aumentar ainda mais os juros e reduzir significativamente seu balanço).

 

Devemos considerar também que a taxa de juros real ainda está negativa, apesar dos aumentos das taxas nominais realizados pelo BCE. Considerando a taxa anual de inflação ao consumidor de 9.9% em setembro e Main Refinancing Operations Rate a 2%, a taxa de juros real é de -7.9%. A taxa de juro real negativa é um fator (embora não seja o único) que contribui para um aumento de inflação de preços.

 

Além disto, o euro tem se desvalorizado em relação ao dólar americano (USD) desde 2021 e atingiu a paridade 1/1 no final de agosto, oscilando próximo a este patamar desde então. Isto é mais um fator que influencia o aumento dos preços ao consumidor da zona euro, pois a desvalorização cambial encarece as importações.

 

Claro, a guerra entre Rússia e Ucrânia também é um fator que tem produzido aumento de preços, mas o principal fator é a desvalorização da moeda decorrente do aumento da oferta monetária.

 

E o BCE afirmou que o Instrumento de Proteção da Transmissão (IPT) continua disponível. O IPT é um novo instrumento de aquisição de ativos mais direcionado para títulos de dívida dos membros da zona euro mais endividados. Como afirmou o economista Ryan McMaken, isto é essencialmente um novo tipo de Quantitative Easing (QE), ou seja, mais um instrumento de compras de ativos feitas através do aumento a base monetária. Resta saber se o aumento da base monetária advinda deste instrumento será acompanhado de um aumento significativo dos agregados M1 e M2 (que são os agregados que realmente influenciam os preços na economia real). O QE, por si só, não faz com que os preços da economia real aumentem, mas é prejudicial a economia ao gerar distorções na alocação de recursos da economia, deixando-a mais frágil (mais dependente de juros artificialmente baixos) e suscetível a recessões. Estas distorções fazem com que recursos sejam desperdiçados em empreendimentos não lucrativos (como empresas zumbi), impedindo a geração de empregos sustentáveis e diminuindo os salários reais (já que o endividamento da economia como um todo é cada vez maior e cada vez mais se gasta com juros para financiar a dívida, em vez de investir em produtividade, o que tenderia a diminuir os preços e aumentar os salários reais). Além disto, o QE aumenta (artificialmente; ou seja, não é um aumento em decorrência dos fundamentos) os preços de ativos financeiros e imobiliários.

 

O BCE deve utilizar o IPT para mitigar o ‘risco de fragmentação’ da zona euro. Se, por exemplo, os juros do título de dívida de 10 anos da Itália (que possui uma dívida de 150.2% do PIB) aumentassem muito, também aumentaria a probabilidade de o país sair da zona euro (voltando a usar a lira, emitindo a moeda para financiar sua dívida). Este é o chamado ‘risco de fragmentação’.

 

O IPT, portanto, é uma forma de ‘yield curve control’ (controlo da curva de juros). Como mencionei aqui, este seria um dos caminhos possíveis que o BCE seguiria para conter o aumento de juros dos títulos de dívida dos governos da zona euro através do ‘novo instrumento’. Claro, não é oficialmente uma política de ‘yield curve control’, mas o efeito é semelhante na prática. O Bank of Japan (BoJ), o banco Central do Japão, tem feito um ‘yield curve control’ desde 2016: o BoJ não deixa os juros do título de dívida de 10 anos do Japão serem maiores do que 0.25%. Para isto, o BoJ compra estes títulos, aumentando seus preços e, consequentemente, diminuindo seus juros. E é justamente isto o que o BCE pretende fazer através do IPT.

 

Os juros dos títulos de dívida de 10 anos dos governos da zona euro estão com tendência de alta desde o início de 2022. O objetivo do IPT é diminuir estes juros (mais precisamente dos membros mais endividados), caso seja necessário.

 

Figura 2 – Juros de Títulos de Dívida (10 Anos) de Alguns Membros da Zona Euro

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Grécia (Azul); Itália (Laranja); Portugal (Cinza); Alemanha (Amarelo); França (Verde); Holanda (Roxo); Irlanda (Rosa); Espanha (Preto).

Fonte: Trading View – Elaboração Própria.

 

Sim, o IPT também traz algumas regras (incluindo uma sustentabilidade da dívida pública) de elegibilidade que supostamente devem ser cumpridas pelos membros da zona euro para que o BCE compre seus títulos no âmbito deste instrumento. Porém, já sabemos que os governos tendem a aumentar seus gastos e endividamento.  Países como Portugal, Espanha, Itália e Grécia (que possuem um endividamento maior e governos mais perdulários) são muito dependentes do risco moral da zona euro, que não gera incentivos para que os governos mais endividados diminuam seus gastos e endividamento o suficiente para que os juros de seus títulos diminuam sem a intervenção do BCE. Na melhor das hipóteses, em geral, os governos diminuem seu endividamento de maneira muito gradual (como fez Portugal entre 2016 e 2019, e em 2021 após um aumento significativo em 2020). Se os governos realmente seguissem regras de sustentabilidade da dívida pública, o IPT nem precisaria existir.

 

O facto de o BCE afirmar que está determinado a trazer a taxa de inflação ao consumidor de volta a 2% e que o IPT está disponível significa que o BCE supostamente está disposto a fazer uma política monetária contracionista para levar a taxa de inflação para o alvo ‘simétrico’ de 2% ao mesmo tempo em que se compromete a usar o IPT (que, dependendo da intensidade de seu uso, pode contrariar a diminuição da taxa de inflação) caso a política monetária contracionista impeça os países da zona euro de financiar seus altos endividamentos. Este tipo de contradição é recorrente em discursos de governos e de bancos centrais.

 

Como já afirmei em artigos anteriores, assim como o banco central dos EUA (o Federal Reserve – Fed), o BCE não possui muito espaço para aumentar juros e encerrar completamente suas aquisições de títulos de dívida dos governos da zona euro (a não ser que estes governos diminuam significativamente seus gastos e endividamento). O BCE está a ser um pouco menos expansionista por um lado (ao realizar tímidos aumentos das taxas de juro em relação a alta taxa de inflação ao consumidor) e podendo ser expansionista por outro (ao criar um novo instrumento de aquisição de ativos – o IPT, e ao manter os reinvestimentos dos pagamentos de capital dos títulos vencidos adquiridos no âmbito dos programas de aquisição de ativos Asset Purchase Programme – APP e Pandemic Emergency Purchase Programme – PEPP). Assim como o Fed, o BCE está apenas a fingir que combate o aumento dos preços. O facto de o balanço do BCE estar relativamente constante e de o agregado monetário M2 da zona euro estar a aumentar a um ritmo um pouco menor do que em 2020 e 2021 são fatores que diminuem a pressão sobre o aumento dos preços, mas isto só significa que, na melhor das hipóteses, o BCE conseguirá trazer a taxa de inflação ao consumidor a patamares menores. É muito difícil que os preços voltem aos patamares anteriores a 2021. Para isto, seria necessário uma deflação de preços ao consumidor (e sabemos que os governos e os bancos centrais não gostam disto). Os governos e os bancos centrais empobrecem as pessoas através da inflação monetária.

 

Para realmente combater o aumento de preços, os governos teriam de diminuir seus gastos de maneira que seus endividamentos diminuíssem significativamente (as dívidas em relação ao PIB dos membros da zona euro estão a diminuir, mas, em termos absolutos, estão a aumentar) e o BCE não só parasse de expandir a base monetária para comprar os títulos de dívida, mas também vendesse os que estão em sua posse (para contrair a oferta monetária). Juros artificialmente baixos não são o único fator inflacionário.

 

 

André Marques

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