No Fórum Anual do Banco Central Europeu (BCE),em Sintra, Christine Lagarde, a presidente do BCE, reafirmou que o BCE irá aumentar as taxas de juro em 25pontos-base (0.25%) para conter a escalada inflacionária, como havia anunciadono início de junho.
Lagarde também reafirmou que, se asperspetivas de médio prazo da taxa de inflação ao consumidor persistirem oupiorarem, o BCE poderá realizar um aumento maior em setembro. Mas este compromissotambém dependerá dos dados económicos que surgirem até lá.
Também foi mencionado um “novo instrumento”anticrise das dívidas soberanas para conter um aumento significativo dos jurosdos títulos de dívida dos governos da zona euro.
O BCE ainda nem sequer aumentou os juros (enem encerrou programa de compra dos títulos de dívida dos governos) e os jurosdos títulos de dívida de 10 anos dos governos da zona euro têm aumentado desdeo final de 2021. Se os juros, por exemplo, do título de dívida de 10 anos da Itália (quepossui uma dívida de 150.8% do PIB) continuarem a aumentar, também aumentará a probabilidade de o país sair dazona euro (voltando a usar a lira, emitindo a moeda para financiar sua dívida).Este é o chamado “risco de fragmentação”, que é o que o BCE quer impediratravés deste “novo instrumento”.
Para conter o aumento dos juros desses títulos,há dois caminhos possíveis:
1- O BCE pode fazer como o Bank of Japan(BoJ), o banco Central do Japão, tem feito desde 2016: o chamado “yield curvecontrol” (controlo da curva de juros), através do qual BoJ não deixa os jurosdo título de dívida de 10 anos do Japão serem maiores do que 0.25%. Para isto,o BoJ compra estes títulos, aumentando seus preços e, consequentemente,diminuindo seus juros. Porém, isto implicaria um aumento da base monetária ecompras dos títulos de dívida dos governos da zona euro, o que seriacontraditório com o comprometimento do BCE de encerrar o programa de compra destestítulos em julho.
2- Os governos da zona euro podem diminuirseus gastos e endividamento para conter aumento dos juros dos títulos dedívida. Desta forma, se o BCE parasse de comprá-los, o “risco de fragmentação”diminuiria. Porém, isto iria requerer uma diminuição de gastos significativa porparte de todos os governos da zona euro, sobretudo de Itália, Grécia, Espanha e Portugal, que são os que possuem as maiores dívidas, além de possuírem governos menosinclinados a diminuírem os gastos.
Não é possível prever qual dos dois caminhos oBCE irá seguir (ou se usará algum outro truque), mas, se levarmos a sério aseguinte afirmação de Lagarde, é possível que o BCE tente algo parecido com a2ª opção: “O novo instrumento terá de ser eficaz, ao mesmo tempo proporcional econter salvaguardas suficientes para preservar o ímpeto dos Estados-membrospara uma política orçamental sólida… os governos também ‘terão de fazer a suaparte’ neste processo de redução dos riscos. Devem ‘fornecer apoiosdirecionados e temporários’ às famílias e empresas, enquanto prosseguem compolíticas de redução da dívida pública e de estabilização da economia.”
Claro que uma diminuição dos gastos eendividamento dos governos da zona euro seria ótima para economia da zona euro(inclusive, seria um enorme fator para conter o aumento da taxa de inflação).Porém, como já mencionei em outros artigos, mesmo que os governos secomprometam a fazer isto, é pouco provável que o façam sempre. Cedo ou tarde,os governos voltam a aumentar os gastos e endividamento.
E o 2º caminho mencionado acima já estáparcialmente fora de questão. Além deste “novo instrumento”, o BCE anunciou que, a partir do dia 1º de julho, irá comprartítulos de dívida da Itália, Espanha, Portugal e Grécia com os rendimentos querecebe dos títulos de dívida da Alemanha, França e Holanda (uma vez que maturem)para diminuir o diferencial dos juros dos títulos destes países. Ou seja, o BCEusará os rendimentos dos títulos de dívida (ou até vendê-los) de países menosfiscalmente irresponsáveis, como Alemanha, Áustria e Luxemburgo (os chamadosdoadores) e comprar títulos de dívida de países mais perdulários – Espanha,Portugal, Itália e Grécia (os chamados recipientes). Este arranjo não só écontrário a redução inflacionária, mas, também é um risco moral. Fica claro que,na zona euro, os países que dão alguma importância ao equilíbrio fiscal irãosubsidiar os países que se endividam mais. Assim, esta política pode atéaumentar o “risco de fragmentação”, pois ficará claro que a zona euro é umarranjo que subsidia a irresponsabilidade fiscal em detrimento daresponsabilidade fiscal.
Teremos de aguardar até que o BCE anuncie emdetalhes este “novo instrumento” para saber exatamente como funcionará e queimplicações terá na política monetária do BCE.
André Marques