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BCE Aumenta as Taxas de Juro, Mas Cria mais um Programa de Aquisição de Ativos

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ATENÇÃO! Este artigo foi escrito em 26 de julho de 2022.

 

A taxa anual de inflação ao consumidor da zona euro foi de 8.6% em junho. Naquele mês, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou que, em julho, iria aumentar as taxas de juro em 25 pontos-base (0.25%) e  encerrar o programa de compras de ativos (Asset Purchase Programme– APP). Além disto, no início deste mês, o BCE sinalizou a criação de um ‘novo instrumento’ de política monetária para conter o ‘risco de fragmentação’ da zona euro.

 

E, portanto, na semana passada, o BCE aumentou as taxas de juro em 0.5% (25 pontos-base a mais do que anunciado e foi o primeiro aumento das taxas de juro desde 2011) e anunciou a aprovação do novo instrumento de política monetária, chamado Instrumento de Proteção da Transmissão (IPT).

 

As taxas de juro do BCE são a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento (Main Refinancing Operations Rate); taxa de juros aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez (Marginal Lending Facility Rate); e taxa de juros aplicável a facilidade permanente de depósito (Deposit Facility Rate). Estas taxas estavam, até a semana passada, a 0%,0.25% e -0.5%, respetivamente. E agora estão a 0.5%, 0.75% e 0% (por falta de gráficos atualizados, deixo aqui só os valores e o link para o gráfico do Main Refinancing Operations Rate).

 

O balanço do BCE estava pouco acima dos € 8.8 bilhões (o equivalente a € 8.8 trilhões para português do Brasil e inglês dos EUA) até o final de junho. E, no início de julho, o balanço passou por uma ligeira diminuição, atingindo, em 15 de julho, € 8.76 bilhões.

 

Como mencionei aqui, o BCE não pode aumentar muito as taxas de juro sem gerar complicações na economia real e no mercado financeiro. Desde 2015, o BCE não diminuiu seu balanço. E, desde 2014, mantém as taxas de juro muito próximas a 0% (e, agora, em 0%, no caso do Deposit Facility Rate).

 

Figura 1 – Balanço do BCE (2012-2022)

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Fonte: St. Louis Fed – Elaboração Própria.

 

O IPT é um novo instrumento de aquisição de ativos mais direcionado para títulos de dívida dos membros da zona euro mais endividados. Como afirmou Ryan McMaken, isto é essencialmente um novo tipo de Quantitative Easing (QE), ou seja, mais um instrumento de compras de ativos feitas através do aumento a base monetária. Resta saber se o aumento da base monetária advinda deste instrumento será acompanhado de um aumento significativo dos agregados M1 e M2 (que são os agregados que realmente influenciam os preços na economia real). O QE, por si só, não faz com que os preços da economia real aumentem, mas é prejudicial a economia ao gerar distorções na alocação de recursos da economia, deixando-a mais frágil (mais dependente de juros artificialmente baixos) e suscetível a recessões. Estas distorções fazem com que recursos sejam desperdiçados em empreendimentos não lucrativos (como empresas zumbi), impedindo a geração de empregos sustentáveis e diminuindo os salários reais (já que o endividamento da economia como um todo é cada vez maior e cada vez mais se gasta com juros para financiar a dívida, em vez de investir em produtividade, o que tenderia a diminuir os preços e aumentar os salários reais). Além disto, o QE aumenta (artificialmente; ou seja, não é um aumento em decorrência dos fundamentos) os preços de ativos financeiros e imobiliários.

 

O IPT é o ‘novo instrumento’ que o BCE irá utilizar para mitigar o ‘risco de fragmentação’ da zona euro. Se, por exemplo, os juros do título de dívida de 10 anos da Itália (que possui uma dívida de 150.8% do PIB) aumentassem muito, também aumentaria a probabilidade de o país sair da zona euro (voltando a usar a lira, emitindo a moeda para financiar sua dívida). Este é o chamado ‘risco de fragmentação’.

 

O IPT, portanto, é uma forma de ‘yield curve control’ (controlo da curva de juros). Como mencionei aqui, este seria um dos caminhos possíveis que o BCE seguiria para conter o aumento de juros dos títulos de dívida dos governos da zona euro através do ‘novo instrumento’. Claro, não é oficialmente uma política de ‘yield curve control’, mas o efeito é semelhante na prática. O Bank of Japan (BoJ), o banco Central do Japão, tem feito um ‘yield curve control’ desde 2016: o BoJ não deixa os juros do título de dívida de 10 anos do Japão serem maiores do que 0.25%. Para isto, o BoJ compra estes títulos, aumentando seus preços e, consequentemente, diminuindo seus juros. E é justamente isto o que o BCE pretende fazer através do IPT.

 

Os juros dos títulos de dívida de 10 anos dos governos da zona euro estavam a aumentar desde 2021 e têm diminuído recentemente (é possível que o anúncio do IPT tenha alguma influência nesta diminuição). O objetivo do IPT é diminuir estes juros (mais precisamente dos membros mais endividados) e impedir que voltem a aumentar significativamente.

 

Figura 2 – Juros de Títulos de Dívida (10 Anos) de Alguns Membros da Zona Euro

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Grécia (Azul); Itália (Laranja); Portugal(Cinza); Alemanha (Amarelo); França (Verde); Holanda (Roxo); Irlanda (Rosa);Espanha (Preto).

Fonte: Trading View – Elaboração Própria.

 

Sim, o IPT também traz algumas regras (incluindo uma sustentabilidade da dívida pública) de elegibilidade que supostamente devem ser cumpridas pelos membros da zona euro para que o BCE compre seus títulos no âmbito deste instrumento. Porém, já sabemos que os governos tendem a aumentar seus gastos e endividamento.  Sobretudo países como Portugal, Espanha, Itália e Grécia (que possuem um endividamento maior e governos mais perdulários) são muito dependentes deste mecanismo presente na zona euro, que não gera incentivos para que os governos mais endividados diminuam seus gastos e endividamento o suficiente para que os juros de seus títulos diminuam sem a intervenção do BCE. Na melhor das hipóteses, em geral, os governos diminuem seu endividamento de maneira muito gradual (como fez Portugal entre 2016 e 2019, e em 2021 após um aumento significativo em 2020). Se os governos realmente seguissem regras de sustentabilidade da dívida pública, o IPT nem precisaria existir.

 

Assim como o banco central dos EUA (o Federal Reserve – Fed), o BCE não possui muito espaço para aumentar juros e encerrar as suas aquisições de títulos de dívida dos governos da zona euro (a não ser que estes governos diminuam significativamente seus gastos e endividamento). O BCE está a ser um pouco menos expansionista por um lado (ao realizar tímidos aumentos das taxas de juro) e continuando a ser expansionista por outro (ao criar um novo instrumento de aquisição de ativos – o IPT, e ao manter os reinvestimentos dos pagamentos de capital dos títulos vencidos adquiridos no âmbito dos programas de aquisição de ativos Asset Purchase Programme – APP e Pandemic Emergency Purchase Programme – PEPP). Assim como o Fed, o BCE está apenas a fingir que combate o aumento dos preços.

 

 

André Marques

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