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BCE Aumenta Taxas de Juros em 0.5% Novamente, mas não Sinaliza Aumento para a Próxima Reunião

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O Banco Central Europeu (BCE) anunciou, em 16 de março, mais um aumento das taxas de juro em 0.5%, após outro aumento de 0.5% em fevereiro. A taxa anual de inflação ao consumidor da zona euro diminuiu para 8.5% em fevereiro.

 

Assim como nos EUA (ver aqui e aqui) o sistema bancário na Europa também está com problemas, com as turbulências vistas no Credit Suisse (ver aqui e aqui). E, para socorrer o Credit Suisse, o banco central da Suíça, a Finma (órgão regulador do mercado financeiro da Suíça) e o ministério da economia forçaram o UBS (outro grande banco suíço) a comprar o Credit Suisse. O colapso do Credit Suisse foi gerado pelo mesmo fator do colapso do SVB nos EUA: anos de quantitative easing e taxas de juro artificialmente baixas ou até negativas, o que incentiva os bancos a fazerem investimentos mais arriscados.

 

Assim como o banco central dos EUA (o Federal Reserve – Fed), o BCE também aumentou os juros apesar das turbulências no setor bancário. E, ao contrário do Fed, o BCE não voltou a aumentar seu balanço. O BCE afirmou que está “determinado a assegurar” o retorno da taxa de inflação ao consumidor ao [“alvo simétrico”] de 2%. Porém, na declaração à imprensa sobre as decisões de política monetária, Christine Lagarde (a presidente do BCE) afirmou que “[…]o elevado nível de incerteza reforça a importância de uma abordagem dependente de dados para nossas decisões de taxa de juros, que serão determinadas por nossa avaliação das perspetivas de inflação à luz dos dados económicos e financeiros recebidos, a dinâmica da inflação subjacente e a força da transmissão da política monetária”. Ou seja, o BCE não anunciou um aumento de juros para a próxima reunião [o que não garante que já diminuirá os juros na próxima reunião] e já prepara o terreno para diminuir os juros caso haja turbulências maiores. O BCE também afirmou que “está equipado para fornecer apoio de liquidez ao sistema financeiro da zona euro, se necessário, e para preservar a transmissão harmoniosa da política monetária”.

 

As taxas de juro do BCE são a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento (Main Refinancing Operations Rate); taxa de juros aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez (Marginal Lending Facility Rate); e taxa de juros aplicável a facilidade permanente de depósito (Deposit Facility Rate). Estas taxas estavam a 3%, 3.25% e 2.5%, respetivamente. E agora estão a 3.5%, 3.75% e 3%, respetivamente.

 

O balanço do BCE estava pouco acima de € 8.8 trilhões até o final de junho de 2022. E, do início de julho até 18 de novembro de 2022, o balanço passou por uma ligeira redução, atingindo € 8.7 trilhões. A seguir, houve uma redução mais significativa, com o balanço atingindo o valor de € 7.83 trilhões em 24 de fevereiro de 2023 e permanecendo neste patamar até o momento da escrita deste artigo.

 

Esta é a primeira vez, desde 2015, que o BCE faz uma redução significativa do seu balanço. E, desde 2014, manteve as taxas de juro artificialmente baixas, seja a 0% (no caso da Main Refinancing Operations Rate), próximas a 0% (no caso da Marginal Lending Facility Rate) ou negativas (no caso da Deposit Facility Rate). Apesar de estarem a aumentar, ainda estão abaixo da taxa de inflação ao consumidor.

 

Figura 1 – Taxas de Juro da Zona Euro e Balanço do BCE (2013-2023)

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Main Refinancing Operations Rate (Linha Vermelha, Eixo da Esquerda); Marginal Lending Facility Rate (Linha Verde, Eixo da Esquerda); Deposit Facility Rate (Linha Amarela, Eixo da Esquerda); Balanço do BCE (Linha Roxa, Eixo da Direita).

Fonte: St. Louis Fed – Elaboração Própria.

 

Devemos considerar também que a taxa de juros real ainda está negativa, apesar dos aumentos das taxas nominais realizados pelo BCE. Considerando a taxa anual de inflação ao consumidor de 8.5% em fevereiro e o Deposity Facility Rate a 3%, a taxa de juros real é de -5.5%. A taxa de juro real negativa é um fator (embora não seja o único) que contribui para um aumento de inflação de preços.

 

Claro, a guerra entre Rússia e Ucrânia também é um fator que tem produzido aumento de preços, mas o principal fator é a desvalorização da moeda decorrente do aumento da oferta monetária.

 

Quanto à redução de seu balanço, o conselho do BCE afirmou que a carteira do programa de compra de ativos (asset purchase programme – APP) está a diminuir a um ritmo “comedido e previsível”, dado que o Eurosistema não reinveste a totalidade dos pagamentos de capital de títulos vincendos. A diminuição ascenderá, em média, a € 15 mil milhões por mês até ao final de junho de 2023 (conforme anunciado em dezembro) e o seu ritmo subsequente será determinado “com o tempo”.

 

No que respeita ao Pandemic Emergency Purchase Programme (PEPP), o Conselho do BCE tenciona reinvestir os pagamentos de capital dos títulos vincendos adquiridos no contexto do programa até, pelo menos, ao final de 2024.

 

E o BCE afirmou que o Instrumento de Proteção da Transmissão (IPT) continua disponível. O IPT é um novo instrumento de aquisição de ativos mais direcionado para títulos de dívida dos membros da zona euro mais endividados. Como afirmou o economista Ryan McMaken, isto é essencialmente um novo tipo de Quantitative Easing (QE), ou seja, mais um instrumento de compras de ativos feitas através do aumento a base monetária. Resta saber se o aumento da base monetária advinda deste instrumento será eventualmente acompanhado de um aumento significativo dos agregados M1 e M2 (que são os agregados que realmente influenciam os preços na economia real). O QE, por si só, não faz com que os preços da economia real aumentem, mas é prejudicial a economia ao gerar distorções na alocação de recursos da mesma, deixando-a mais frágil (mais dependente de juros artificialmente baixos) e suscetível a recessões. Estas distorções fazem com que recursos sejam desperdiçados em empreendimentos não lucrativos (como empresas zumbi), impedindo a geração de empregos sustentáveis e diminuindo os salários reais (já que o endividamento da economia como um todo é cada vez maior e cada vez mais se gasta com juros para financiar a dívida, em vez de investir em produtividade, o que tenderia a diminuir os preços e aumentar os salários reais). Além disto, o QE aumenta (artificialmente; ou seja, não é um aumento em decorrência dos fundamentos) os preços de ativos financeiros e imobiliários.

 

O BCE deve utilizar o IPT para mitigar o ‘risco de fragmentação’ da zona euro. Se, por exemplo, os juros do título de dívida de 10 anos da Itália (que possui uma dívida de 147.3% do PIB) aumentassem muito, também aumentaria a probabilidade de o país sair da zona euro (voltando a usar a lira, emitindo a moeda para financiar sua dívida). Este é o chamado ‘risco de fragmentação’.

 

O IPT, portanto, é uma forma de ‘yield curve control’ (controlo da curva de juros). Como mencionei aqui, este seria um dos caminhos possíveis que o BCE seguiria para conter o aumento de juros dos títulos de dívida dos governos da zona euro através do ‘novo instrumento’. Claro, não é oficialmente uma política de ‘yield curve control’, mas o efeito é semelhante na prática. O Bank of Japan (BoJ), o banco Central do Japão, tem feito um ‘yield curve control’ desde 2016: o BoJ não deixa os juros do título de dívida de 10 anos do Japão serem maiores do que 0.25% [Nota: em dezembro de 2022, o BoJ permitiu que os juros atingissem 0.5%]. Para isto, o BoJ compra estes títulos, aumentando seus preços e, consequentemente, diminuindo seus juros. E é justamente isto o que o BCE pretende fazer através do IPT.

 

Os juros dos títulos de dívida de 10 anos dos governos da zona euro estão com tendência de alta desde o início de 2022. O objetivo do IPT é diminuir estes juros (mais precisamente dos membros mais endividados), caso seja necessário.

 

Figura 2 – Juros de Títulos de Dívida (10 Anos) de Alguns Membros da Zona Euro

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Grécia (Azul); Itália (Laranja); Portugal (Cinza); Alemanha (Amarelo); França (Verde); Holanda (Roxo); Irlanda (Rosa); Espanha (Preto).

Fonte: Trading View – Elaboração Própria.

 

Sim, o IPT também possui algumas regras (incluindo uma sustentabilidade da dívida pública) de elegibilidade que supostamente devem ser cumpridas pelos membros da zona euro para que o BCE compre seus títulos no âmbito deste instrumento. Porém, já sabemos que os governos tendem a aumentar seus gastos e endividamento.  Países como Portugal, Espanha, Itália e Grécia (que possuem um endividamento maior e governos mais perdulários) são muito dependentes do risco moral da zona euro, que não gera incentivos para que os governos mais endividados diminuam seus gastos e endividamento o suficiente para que os juros de seus títulos diminuam sem a intervenção do BCE. Na melhor das hipóteses, em geral, os governos diminuem seu endividamento de maneira muito gradual (como fez Portugal entre 2016 e 2019, e em 2021-22 após um aumento significativo em 2020). Se os governos realmente seguissem regras de sustentabilidade da dívida pública, o IPT nem precisaria existir.

 

O facto de o BCE afirmar que está determinado a trazer a taxa de inflação ao consumidor de volta a 2% e que o IPT está disponível significa que o BCE supostamente está disposto a fazer uma política monetária restritiva para levar a taxa de inflação para o alvo ‘simétrico’ de 2% ao mesmo tempo em que se compromete a usar o IPT (que, dependendo da intensidade de seu uso, pode contrariar a diminuição da taxa de inflação) caso a política monetária restritiva impeça os países da zona euro de financiarem seus altos endividamentos. Este tipo de contradição é recorrente em discursos de governos e de bancos centrais.

 

O facto de o balanço do BCE estar a reduzir e de o agregado monetário M2 da zona euro ter diminuído nos últimos meses são fatores que diminuem a pressão sobre o aumento dos preços. Mas isto só significa que, na melhor das hipóteses, o BCE conseguirá trazer a taxa de inflação ao consumidor a patamares menores. É muito difícil que os preços voltem aos patamares anteriores a 2021. Para isto, seria necessário uma deflação de preços ao consumidor (e sabemos que os governos e os bancos centrais não gostam disto). Os governos e os bancos centrais empobrecem as pessoas através da inflação monetária.

 

Para realmente combater o aumento de preços, os governos teriam de diminuir seus gastos de maneira que seus endividamentos diminuíssem significativamente e o BCE não só parasse de expandir a base monetária para comprar os títulos de dívida, mas também vendesse os que estão em sua posse (para contrair a oferta monetária). Juros artificialmente baixos não são o único fator inflacionário. Até mesmo Christine Lagarde defendeu a diminuição de gastos dos governos para combater o aumento dos preços.

 

Com as recentes turbulências no setor bancário, veremos se o BCE continuará com a sua política monetária relativamente restritiva. Como afirmei aqui (quando o BCE ainda nem havia começado o atual ciclo de aumento de juros e redução de balanço), o BCE não deve conseguir aumentar os juros e reduzir seu balanço sem haver problemas no mercado financeiro e/ou na economia real.

 

 

André Marques

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