BCE Aumenta Taxas de Juro em 0.75%

O Banco Central Europeu (BCE) anunciou, em 8 de setembro, mais um aumento (que teve efeito em 14 de setembro) das suas taxas de juro (desta vez, de 0.75%, sendo esta a primeira vez que realiza um aumento desta dimensão desde 1999).  A taxa anual de inflação ao consumidor da zona euro foi de 8.9% em julho. Em julho, o BCE aumentou as taxas de juro em 0.5% e criou um ‘novo instrumento’ de política monetária para conter o ‘risco de fragmentação’ da zona euro, o Instrumento de Proteção da Transmissão (IPT).

 

As taxas de juro do BCE são a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento (Main Refinancing Operations Rate); taxa de juros aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez (Marginal Lending Facility Rate); e taxa de juros aplicável a facilidade permanente de depósito (Deposit Facility Rate). Estas taxas estavam a 0.5%, 0.75% e 0%, respetivamente. E agora estão a 1.25%, 1.5% e 0.75%.

 

O balanço do BCE estava pouco acima dos € 8.8 bilhões (o equivalente a € 8.8 trilhões para português do Brasil e inglês dos EUA) até o final de junho. E, no início de julho, o balanço passou por uma ligeira diminuição, atingindo € 8.7 bilhões em 9 de setembro.

 

Como mencionei aqui, o BCE não pode aumentar muito as taxas de juro sem gerar complicações na economia real e no mercado financeiro. De 2015 até hoje, o BCE não diminuiu seu balanço significativamente em nenhum momento. E, desde 2014, manteve as taxas de juro artificialmente baixas, seja a 0% (no caso da Main Refinancing Operations Rate), próximas a 0% (no caso da Marginal Lending Facility Rate) ou negativas (no caso da Deposit Facility Rate).

 

Figura 1 – Taxas de Juro da Zona Euro e Balanço do BCE (2012-2022)

Main Refinancing Operations Rate (Linha Vermelha, Eixo da Esquerda); Marginal Lending Facility Rate (Linha Verde, Eixo da Esquerda); Deposit Facility Rate (Linha Amarela, Eixo da Esquerda); Balanço do BCE (Linha Roxa, Eixo da Direita).

Fonte: St. Louis Fed – Elaboração Própria.

 

O IPT é um novo instrumento de aquisição de ativos mais direcionado para títulos de dívida dos membros da zona euro mais endividados. Como afirmou Ryan McMaken, isto é essencialmente um novo tipo de Quantitative Easing (QE), ou seja, mais um instrumento de compras de ativos feitas através do aumento a base monetária. Resta saber se o aumento da base monetária advinda deste instrumento será acompanhado de um aumento significativo dos agregados M1 e M2 (que são os agregados que realmente influenciam os preços na economia real). O QE, por si só, não faz com que os preços da economia real aumentem, mas é prejudicial a economia ao gerar distorções na alocação de recursos da economia, deixando-a mais frágil (mais dependente de juros artificialmente baixos) e suscetível a recessões. Estas distorções fazem com que recursos sejam desperdiçados em empreendimentos não lucrativos (como empresas zumbi), impedindo a geração de empregos sustentáveis e diminuindo os salários reais (já que o endividamento da economia como um todo é cada vez maior e cada vez mais se gasta com juros para financiar a dívida, em vez de investir em produtividade, o que tenderia a diminuir os preços e aumentar os salários reais). Além disto, o QE aumenta (artificialmente; ou seja, não é um aumento em decorrência dos fundamentos) os preços de ativos financeiros e imobiliários.

 

O BCE deve utilizar o IPT para mitigar o ‘risco de fragmentação’ da zona euro. Se, por exemplo, os juros do título de dívida de 10 anos da Itália (que possui uma dívida de 150.8% do PIB) aumentassem muito, também aumentaria a probabilidade de o país sair da zona euro (voltando a usar a lira, emitindo a moeda para financiar sua dívida). Este é o chamado ‘risco de fragmentação’.

 

O IPT, portanto, é uma forma de ‘yield curve control’ (controlo da curva de juros). Como mencionei aqui, este seria um dos caminhos possíveis que o BCE seguiria para conter o aumento de juros dos títulos de dívida dos governos da zona euro através do ‘novo instrumento’. Claro, não é oficialmente uma política de ‘yield curve control’, mas o efeito é semelhante na prática. O Bank of Japan (BoJ), o banco Central do Japão, tem feito um ‘yield curve control’ desde 2016: o BoJ não deixa os juros do título de dívida de 10 anos do Japão serem maiores do que 0.25%. Para isto, o BoJ compra estes títulos, aumentando seus preços e, consequentemente, diminuindo seus juros. E é justamente isto o que o BCE pretende fazer através do IPT.

 

Os juros dos títulos de dívida de 10 anos dos governos da zona euro estão com tendência de alta desde o início de 2022. O objetivo do IPT é diminuir estes juros (mais precisamente dos membros mais endividados), caso seja necessário.

 

Figura 2 – Juros de Títulos de Dívida (10 Anos) de Alguns Membros da Zona Euro

Grécia (Azul); Itália (Laranja); Portugal (Cinza); Alemanha (Amarelo); França (Verde); Holanda (Roxo); Irlanda (Rosa); Espanha (Preto).

Fonte: Trading View – Elaboração Própria.

 

Sim, o IPT também traz algumas regras (incluindo uma sustentabilidade da dívida pública) de elegibilidade que supostamente devem ser cumpridas pelos membros da zona euro para que o BCE compre seus títulos no âmbito deste instrumento. Porém, já sabemos que os governos tendem a aumentar seus gastos e endividamento.  Países como Portugal, Espanha, Itália e Grécia (que possuem um endividamento maior e governos mais perdulários) são muito dependentes do risco moral da zona euro, que não gera incentivos para que os governos mais endividados diminuam seus gastos e endividamento o suficiente para que os juros de seus títulos diminuam sem a intervenção do BCE. Na melhor das hipóteses, em geral, os governos diminuem seu endividamento de maneira muito gradual (como fez Portugal entre 2016 e 2019, e em 2021 após um aumento significativo em 2020). Se os governos realmente seguissem regras de sustentabilidade da dívida pública, o IPT nem precisaria existir.

 

Além disto, o euro tem se desvalorizado em relação ao dólar americano (USD) desde 2021 e atingiu a paridade 1/1 no final de agosto, oscilando próximo a este patamar desde então. Isto é mais um fator que influencia o aumento dos preços ao consumidor da zona euro, pois a desvalorização cambial encarece as importações.

 

O Conselho do BCE afirmou que “está preparado para ajustar todos os seus instrumentos, no âmbito do seu mandato, a fim de assegurar que a [taxa de] inflação estabiliza no objetivo de 2% a médio prazo”. Também afirmou que espera que a taxa de inflação permaneça acima de 2% por um período prolongado, estimando que a taxa (excluindo produtos alimentares e energéticos atingirá 3.9% em 2022, 3.4% em 2023 e 2.3% em 2024. Porém, também disse que o IPT “está disponível para contrariar dinâmicas de mercado desordenadas, injustificadas e passíveis de representar uma ameaça grave para a transmissão da política monetária em todos os países da zona euro, permitindo, assim, ao Conselho do BCE cumprir mais eficazmente o seu mandato de manutenção da estabilidade de preços”. Ou seja, o BCE afirma que está disposto a fazer uma política monetária contracionista para levar a taxa de inflação para o alvo ‘simétrico’ de 2% ao mesmo tempo que se compromete a usar o IPT (que, dependendo da intensidade de seu uso, pode contrariar a diminuição da taxa de inflação) caso a política monetária contracionista impeça os países da zona euro de financiar seus altos endividamentos. Este tipo de contradição é tradição em discursos de governos e de bancos centrais.

 

Assim como o banco central dos EUA (o Federal Reserve – Fed), o BCE não possui muito espaço para aumentar juros e encerrar completamente suas aquisições de títulos de dívida dos governos da zona euro (a não ser que estes governos diminuam significativamente seus gastos e endividamento). O BCE está a ser um pouco menos expansionista por um lado (ao realizar tímidos aumentos das taxas de juro em relação a alta taxa de inflação ao consumidor) e podendo ser expansionista por outro (ao criar um novo instrumento de aquisição de ativos – o IPT, e ao manter os reinvestimentos dos pagamentos de capital dos títulos vencidos adquiridos no âmbito dos programas de aquisição de ativos Asset Purchase Programme – APP e Pandemic Emergency Purchase Programme – PEPP). Assim como o Fed, o BCE está apenas a fingir que combate o aumento dos preços. O facto de o balanço do BCE ter prado de aumentar e de o agregado monetário M2 da zona euro estar a aumentar a um ritmo um pouco menor do que em 2020 e 2021 são fatores que diminuem a pressão sobre o aumento dos preços, mas isto só significa que, na melhor das hipóteses, o BCE conseguirá trazer a taxa de inflação ao consumidor a patamares menores. É muito difícil que os preços voltem aos patamares anteriores a 2021. Para isto, seria necessário uma deflação de preços ao consumidor (e sabemos que os governos e os bancos centrais não gostam disto). Os governos e os bancos centrais empobrecem as pessoas através da inflação monetária.

 

Para realmente combater o aumento de preços os governos teriam de diminuir seus gastos, de maneira que seus endividamentos diminuíssem e o BCE não só parasse de expandir a base monetária para comprar seus títulos, mas também vendesse os que estão em sua posse (para contrair a oferta monetária). Os juros artificialmente baixos não são o único fator inflacionário.

 

 

André Marques

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