Federal Reserve Voltou a Aumentar seu Balanço para Resgatar o Sistema Bancário, mas Aumentou os Juros Novamente

Na semana passada , o Federal Reserve – Fed (o banco central dos EUA) aumentou a taxa básica de juros em 0.25%, após um aumento também de 0.25% em fevereiro.

 

A taxa de juros está agora a 4.9%. A taxa anual de inflação ao consumidor dos EUA (o consumer Price Index – CPI) tem diminuído nos últimos meses, atingindo 6% em fevereiro. Porém, como já mencionei em outros artigos, este é o CPI oficial, que sofreu alterações na sua metodologia na década de 1990 (veja como aqui). Segundo o Shadow Government Statistics, se calculado com a metodologia da década de 1980, o CPI também diminuiu nos últimos meses, mas está pouco abaixo de 15%.

 

Após o colapso da FTX e as demissões no setor de tecnologia em novembro, o setor bancário dos EUA é o que está turbulento agora. Os EUA vivem desde 2001 em um ambiente de juros artificialmente ultrabaixos (ou com juros reais negativos). Isso criou muitas distorções na alocação de recursos na economia, ao incentivar empresas e instituições financeiras a assumir enormes riscos. Além disso, as regulamentações bancárias feitas pelo governo dos EUA encorajaram os bancos (através de regras de contabilidade bastante favoráveis) a acumular títulos de dívida pública e títulos hipotecários (as Mortgage Backed Securities – MBSs), uma vez que eles não tomavam um haircut nesses ativos (e nem foram obrigados a marcá-los a mercado). Então, mesmo enquanto esses ativos perdiam valor, os bancos podiam fingir que não havia prejuízos.

 

O sistema bancário dos EUA foi resgatado pelo Fed logo após o colapso do Silicon Valley Bank e do Signature Bank e o balanço do Fed voltou a aumentar (figura 1), atingindo US$ 8.7 trilhões (pouco abaixo do pico de US$ 8.9 trilhões atingido em abril de 2022). O agregado monetário M0 (a base monetária) possivelmente também voltou a aumentar, mas os dados não estão atualizados.

 

A diminuição do CPI deve-se sobretudo ao facto de que os agregados monetários do dólar americano estavam a contrair. Como o Fed não estava mais a comprar títulos de dívida federais e MBSs, a base monetária (M0) não estava a aumentar e até passou por uma pequena contração desde abril (e o balanço do Fed seguiu o mesmo padrão, conforme a figura 1). Tenha em mente que o bailout mencionado acima ainda não é um quantitative easing (QE) oficial. Ou seja, o Fed não está efetivamente a comprar os ativos dos bancos, mas, sim, a fazer empréstimos para os mesmos usando esses ativos como colateral. Porém, para fazê-lo, aumenta a base monetária e põe esses ativos em seu balanço (é o mesmo efeito de um QE).

 

Figura 1 – Balanço do Fed e M0 (2019-2023)

M0 (Vermelho); Balanço do Fed (Verde).

Fonte: St. Louis Fed – Elaboração Própria.

 

Já os agregados M1 (moeda em circulação e depósitos à ordem) e M2 (M1 + depósitos a prazo), que incluem o dinheiro que circula na economia e que realmente influenciam os preços ao consumidor, também pararam de aumentar nos últimos meses, passando por uma ligeira contração desde março após um aumento significativo em 2020-21.

 

Se o M1 e o M2 aumentarem significativamente (como aconteceu em 2020-21) em conjunto com o M0, é possível que o CPI aumente novamente. O aumento de M0, por si só, não causa inflação de preços ao consumidor, mas causa desvios de recursos na economia (pois o banco central compra ativos podres, evitando que empresas e instituições financeiras que estejam a desperdiçar recursos vão à falência e liberem esses recursos para potenciais investimentos sustentáveis. A expansão do M0 também causa inflação de preços de ativos (imóveis, títulos de dívida e ações).

 

Este último aumento da taxa de juros elevou o IORB (Interest Rate on Reserve Balances), que é a principal taxa que o Fed utiliza para influenciar o FFR (Federal Funds Rate, a taxa básica de juros dos EUA), de 4.65% para 4.9%. Em julho de 2021, o IORB substituiu o IOER (Interest Rate on Excess Reserves, a taxa de juros que os bancos recebiam do Fed sobre as reservas em excesso que mantinham junto ao Fed e que era a principal taxa que o Fed utilizava, desde 2008, para influenciar o FFR) e o IORR (Interest Rate on Required Reserves, a taxa de juros sobre as reservas compulsórias, ou seja, que os bancos devem manter junto ao Fed). Para saber os detalhes sobre como o Fed passou a influenciar o FFR através do IOER a partir de 2008, leia aqui, nas páginas 29 a 35 e leia estes artigos (parte 1 e parte 2).

 

Veja na figura seguinte como o FFR fica quase no mesmo patamar do IOER (e, agora, quase no mesmo patamar do IORB):

 

Figura 2 – FFR, IOER e IORB (2019-2023)

FFR (Vermelho); IOER (Verde); IORB (Laranja).

Fonte: St. Louis Fed – Elaboração Própria.

 

O Federal Open Market Committee – FOMC (o comité de política monetária do Fed) declarou: “O comité antecipa que algum aperto adicional da política [monetária] pode ser apropriado para atingir uma postura de política monetária que seja suficientemente restritiva para retornar a inflação [de preços] a 2% ao longo do tempo.”

 

Porém, também afirmou que “monitorará de perto as informações recebidas e avaliará as implicações para a política monetária”.

 

Isso pode ser visto como uma indicação de que o Fed pode estar perto do fim dos aumentos de juros, apesar de a declaração ter enfatizado que “o Comité está fortemente comprometido em retornar a inflação [de preços] ao seu objetivo de 2%”.

 

Porém, como afirmou Ryan McMaken, as projeções do Fed não possuem um bom histórico de projeções:

 

“Claro, as previsões publicamente declaradas do FOMC sobre seu comportamento futuro são essencialmente inúteis como previsões precisas. Isso foi ilustrado repetidas vezes. Por exemplo, um ano atrás, nem sequer um membro do FOMC previu que a taxa-alvo subiria acima de 4% em 2022 ou 2023. Em setembro de 2022, todos os membros, exceto um, passaram a prever que uma taxa acima de 4% seria necessária para reduzir o CPI. Isso ocorreu após anos de negações categóricas de que o Fed aumentaria a taxa-alvo até 2023 e que a inflação era ‘transitória’. É claro que essas previsões se mostraram tão erradas que o Fed abandonou o forward guidance em 2022 e o FOMC adotou uma estratégia de adivinhar uma nova taxa-alvo a cada mês. Em outras palavras, eles estão a inventar [a política monetária à medida que o tempo passa].”

 

Ryan também afirma:

 

“Essa desconexão entre as previsões do Fed e a realidade também se estende à economia. Não se esqueça, por exemplo, de que meses após o início da Grande Recessão [Nota do editor: a recessão de 2008-2009], Ben Bernanke ainda previa que não haveria recessão em 2008. Essas ‘habilidades’ de previsão também foram exibidas no segundo semestre de 2021: o CPI começou a subir acima de 5%, mas o Fed nada fez e disse que tudo era transitório. Observe, por exemplo, como o CPI começou a subir em julho de 2021 e, no entanto, a taxa de juros permaneceu em 0.25% por mais oito meses. O Fed estava tão atrás da curva do CPI que, mesmo depois de aumentar a taxa de juros em 450 pontos-base, ainda está bem abaixo do CPI. Considerando as circunstâncias, a política monetária ainda é notavelmente frouxa.”

 

E o facto de o Fed estar a aumentar seu balanço novamente já derruba o seu comprometimento feito na reunião de fevereiro: “O Comitê continuará a reduzir suas posses de títulos do Tesouro e de mortgage backed securities, conforme descrito em seus planos anunciados anteriormente. O Comitê está fortemente empenhado em retornar [o CPI] ao seu objetivo de 2%.”

 

Aumento de juros significa diminuição dos preços dos títulos de renda fixa (obrigações de empresas, títulos públicos e outros instrumentos) e redução do valor presente das receitas futuras das empresas (o que desvaloriza suas ações). No 4º trimestre de 2022 os bancos registaram perdas não realizadas [Nota do editor: perdas não realizadas significam que a instituição possui ativos cujos valores estão menores em relação ao de quando foram adquiridos pela mesma. Isso significa que, caso a instituição venda esses ativos, terá prejuízo] de US$ 620 mil milhões. Com o Fed a aumentar os juros mais uma vez, poderá haver mais turbulências no sistema bancário e/ou em outros setores do mercado financeiro, visto que estas perdas tendem a aumentar.

 

O Fed está a fazer uma política monetária frouxa por um lado (ao voltar a aumentar seu balanço) e relativamente restritiva por outro lado (ao continuar a aumentar os juros). Não faz sentido.

 

 

André Marques

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