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Banco Central dos EUA faz mais um Aumento de 0.75% na Taxa de Juros; Economia Americana Pode já Estar em Recessão

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ANTENÇÃO! Este artigo foi escrito em 29 de julho de 2022.

 

Em março deste ano, o FOMC (Federal Open Market Committee, o comité de política monetária do banco central dos EUA, o Federal Reserve – Fed) aumentou a taxa básica de juros em 25 pontos-base (0.25%), o primeiro aumento desde 2018. No início de maio, realizou um aumento de 50 pontos-base (0.5%). Foi um aumento de 0.4% para 0.9%, o maior em 22 anos (desde 2000, o Fed só havia feito aumentos de 0.25%). Na reunião de junho, o FOMC fez um aumento de 0.75%, o maior desde 1994, deixando a taxa em 1.65%. E, em 27 de julho, o Fed realizou mais um aumento de 0.75%.

 

Em dezembro de 2021 e em janeiro de 2022, o FOMC havia sinalizado que iria aumentar os juros  partir de março, a aceleração do tapering (processo de redução gradual do ritmo de compras mensais de ativos por parte do banco central até o ponto de encerrar o programa de compras de ativos, o que significaria que o Fed iria parar de aumentar o seu balanço) – afirmando que terminaria em março (ou seja, a partir de abril, o Fed não mais aumentaria seu balanço) e até mesmo que faria uma contração do balanço do Fed (ou seja, vender os ativos que estão em sua posse, diminuindo seu balanço e a base monetária – M0, processo chamado Quantitative Tightening – QT), que é o inverso do Quantitative Easing – QE (compras de ativos por parte do banco central através do aumento do M0, o que leva a uma expansão do balanço).

 

Em dezembro de 2021 e janeiro de 2022, o Fed não realizou o tapering. Nestes meses, seu balanço sofreu aumentos de US$ 107mil milhões e US$ 103 mil milhões, respetivamente. Apenas em fevereiro e março de 2022, o Fed realmente realizou o tapering. Nestes meses, seu balanço sofreu aumentos de “apenas” US$ 31.5 mil milhões e US$ 32.7 mil milhões, respetivamente. E, desde o fim de março, seu balanço está relativamente constante.

 

Antes do anúncio do tapering em novembro, o Fed estava a comprar cerca de US$ 120 mil milhões em ativos por mês (US$ 80 mil milhões em títulos de dívida federais e US$ 40 mil milhões em títulos lastreados em hipotecas, as Mortgage Backed Securities – MBS’s). Ou seja, o balanço do Fed vinha a sofrer aumentos de cerca de US$ 120 mil milhões todos os meses (o que significa que o M0 aumentava a um ritmo semelhante):

 

Figura 1 – Balanço do Fed e M0 (2020-2022)

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M0 (Linha Vermelha); Balanço do Fed (Linha Verde).

Fonte: St. Louis Fed – Elaboração Própria.

 

E, como o Fed comprou muitos títulos de dívida federais recém-emitidos (para cobrir boa parte do défice orçamentário federal), o dinheiro criado pelo Fed foi gasto pelo governo e entrou diretamente na economia, aumentando os agregados M1 e M2 (M1: moeda em circulação e depósitos à ordem; M2: M1 + depósitos a prazo), como é possível ver na figura 2 (observe que desde março dede ano houve uma pequena contração do M1 e o M2, isto é devido ao balanço do Fed também estar relativamente constate). E, desta forma, a taxa anual de inflação ao consumidor (o CPI – Consumer Price Index) disparou a partir de 2021, atingindo 9.1% em junho (figura 3). Este é o CPI oficial; o governo alterou sua metodologia de cálculo na década de 1990 (veja como aqui). De acordo com o Shadow Government Statistics, se calculado com a metodologia de 1980, o CPI está acima de 16%.

 

Figura 2 – M1 e M2 (2008-2022)

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M1 (Linha Preta); M2 (Linha Amarela).

Fonte: St. Louis Fed – Elaboração Própria.

 

Figura 3 – CPI (Julho 2021 – Junho 2022)

blankFonte: Trading Economics – Elaboração Própria.

 

Como mencionado acima, o Fed aumentou os juros, mais uma vez, em 0.75%. O IORB (Interest Rate on Reserve Balances), que é a principal taxa que o Fed utiliza para influenciar o FFR (Federal Funds Rate, a taxa básica de juros dos EUA), aumentou de 1.65% para 2.4%. Em julho de 2021, o IORB substituiu o IOER (Interest Rate on Excess Reserves, a taxa de juros que os bancos recebiam do Fed sobre as reservas em excesso que mantinham junto ao Fed e que era a principal taxa que o Fed utilizava, desde 2008, para influenciar o FFR) e o IORR (Interest Rate on Required Reserves, a taxa de juros sobre as reservas compulsórias, ou seja, que os bancos devem manter junto ao Fed). Para saber os detalhes sobre como o Fed passou a influenciar o FFR através do IOER a partir de 2008, leia aqui, nas páginas 29 a 35 e leia estes artigos (parte 1 e parte 2).

 

Veja na figura seguinte como o FFR fica quase no mesmo patamar do IOER (e, agora, do IORB):

 

Figura 4 – FFR, IOER e IORB (2019-2022)

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FFR (Linha Vermelha); IOER (Linha Verde); IORB(Linha Laranja).

Fonte: St. Louis Fed – Elaboração Própria.

 

Jerome Powell (presidente do Fed) afirmou em março que, se necessário (para conter o aumento da taxa de inflação), o FOMC iria realizar aumentos de juros maiores do que 0.25% em futuras reuniões. E, até agora, foi isto o que ocorreu. Mas, como mencionei aqui, o Fed não deve chegar muito longe no aumento de juros sem provocar uma turbulência no mercado financeiro e/ou uma recessão económica.

 

E, na reunião de junho, o FOMC afirmou que seguiria com o plano (anunciado na reunião de maio) de diminuir o balanço do Fed em junho, vendendo até US$ 30 mil milhões em títulos de dívida do governo federal e até US$ 17.5 mil milhões em MBS’s em junho, julho e agosto. Como vimos na figura 1, até o final de julho, o balanço do Fed mal diminuiu (os ativos do Fed tiveram uma diminuição de menos de 1%). Porém, o Fed afirmou que “continuará a vender seus títulos de dívida do governo e seus MBS’s”.

 

O patamar mais alto que o FFR atingiu no último ciclo de alta de juros (2015-2018) foi 2.4%, o mesmo patamar em que está agora. E já se questiona (aqui e aqui) se o Fed continuará a aumentar os juros ou se irá voltar a baixá-los ( e inclusive voltar a aumentar o balanço), considerando que em dezembro de 2018 (quando o FFR estava em 2.4%) houve uma queda significativa nos índices de bolsa americanos e em setembro de 2019 houve uma crise no mercado das operações compromissadas e o Fed passou a injetar liquidez neste mercado (na prática, fazendo Quantitative Easing, aumentando seu balanço). O Fed havia começado a diminuir seu balanço no final de 2017 (mas já em setembro de 2019 voltou a aumentá-lo) e começou a aumentar a taxa de juros em dezembro de 2015 (mas voltou a diminuí-la no primeiro semestre de 2019).

 

O Fed parou de aumentar os juros para evitar uma queda significativa dos mercados no final de 2018, quando a taxa de juros havia atingido 2.4% (patamar que atingiu agora, novamente). Naquela época, a dívida federal dos EUA estava em “apenas” US$ 22 bilhões (o equivalente a € 22 trilhões para português do Brasil e inglês dos EUA); hoje, já ultrapassou os US$ 30 bilhões. E as dívidas dos estados, dos municípios, de empresas e de consumidores, também estão maiores. Portanto, é possível que o patamar máximo que a taxa básica de juros pode atingir sem que haja complicações no mercado financeiro e na economia real já seja menor do que 2.4%.  O Fed possui um espaço ainda menor para aumentar os juros neste momento (e é cada vez menor conforme as dívidas aumentam).

 

E já há sinais dessas complicações. O Fed mal contraiu seu balanço e o FFR está em apenas 2.4%. Mesmo assim, o PIB dos EUA teve uma contração de 1.4% no 1º trimestre deste ano e o Atlanta Fed projeta uma contração de 1.2% no 2º trimestre. Se isto se concretizar, pode-se afirmar que os EUA estão em recessão desde o início do ano, pois o consenso entre economistas é que uma contração económica de pelo menos dois trimestres seguidos significa uma recessão (apesar de os membros do atual governo estarem a tentar mudar este consenso para negar que a economia deve estar em recessão). Sim, é verdade que, se considerarmos uma definição mais “oficial” de recessão (neste caso, do National Bureal of Economic Research – NBER), os EUA não estão em recessão neste momento. O NBER, além de considerar o tempo de contração económica que deve haver para ser considerado uma recessão (mais do que alguns meses), também leva em consideração a difusão (a contração deve estar espalhada ao longo dos setores economia) e a profundidade (o grau da contração). E, desde dezembro de 2021, todas as variáveis usadas pelo NBER para a sua determinação de recessão tiveram alteração positiva:

 

Figura 5 – Variáveis Usadas pelo NBER para a sua Determinação de Recessão (Alteração em % desde Dezembro de 2021)

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Da Esquerda para a Direita: Rendimento Pessoal Real menos Transferências do Governo; Emprego não Agrícola; Pesquisa das Famílias com Relação ao Emprego; Produção Industrial; Vendas de Grossistas e Retalhistas; Gasto Real do Consumidor.

Fonte: Retirado do vídeo ‘Recessão nos EUA cada vez mais próxima com inversão da curva de juros’, de Fernando Ulrich.

 

Porém, é inegável que a economia está a contrair e que o atual governo está a tentar convencer o público de que isto não é problema. Sim, o argumento que eles usam é válido, mas, é provável que, se eles fossem a oposição hoje, estariam a falar que a economia está em recessão (e os republicanos, se estivessem no poder agora, provavelmente fariam o mesmo que o democratas estão a fazer).

 

Além disto, o mercado imobiliário está a contrair, conforme os juros das hipotecas aumentam. E a taxa de inflação está a superar o aumento dos salários. São mais sinais negativos para a economia que contribuem para uma recessão.

 

E o Fed já prepara o terreno para eventualmente reverter a política monetária (ou seja, voltar a expandir o balanço diminuir a taxa de juros). Jerome Powell, o presidente do Fed, afirmou que o Fed não deve mais prover uma orientação prospetiva clara (o Fed costuma avisar com alguma antecedência o que irá fazer nas próximas reuniões – embora, em muitas ocasiões, não faz exatamente o que disse que iria fazer). Ou seja, o Fed sabe que a economia e o mercado financeiro podem piorar a qualquer momento e quer prevenir expetativas não correspondidas em relação à sua política monetária.

 

 

André Marques

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