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Tom Woods | A Esquecida Depressão de 1920

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É um clichê dizer que, se não estudarmos o passado, estamos condenados a repeti-lo. Algo praticamente infalível, também, é o facto de que, se há lições a seremaprendidas de um episódio histórico, a classe política irá sempre se ater àserradas – e deliberadamente.


Longe deverem o passado como uma potencial fonte de sabedoria e discernimento, osregimes políticos têm o hábito de utilizar a história como uma arma ideológica,que deve ser distorcida e manipulada sempre a serviço das ambições do presente. Foi isto o que Winston Churchill tinha em mente quando descreveu a história daUnião Soviética como “imprevisível”.


Por estemotivo, não é nenhuma surpresa que os líderes políticos tenham feito um uso tãotransparentemente ideológico do passado na esteira da crise financeira queatingiu o mundo em 2008.De acordo com a sabedoria convencional, que éincessantemente repetida, a temida Grande Depressão americana da década de 1930foi o resultado de um excesso de capitalismo, e somente as sábias intervençõespolíticas progressistas da época foram capazes de restaurar a prosperidade.


Muitosdaqueles que reconhecem que os programas do New Deal não tiveram êxito emretirar os EUA da depressão não hesitam, todavia, em sugerir que o querealmente acabou com a depressão foram os maciços gastos governamentaisocorridos durante a Segunda Guerra Mundial.[1] (Mesmo alguns autoproclamados livre-mercadistas incorrem nesta última alegação,atitude que equivale a apoiar todo o argumento teórico feito pelos defensoresdos pacotes de estímulos fiscais).


A conexãoentre essa versão da história e os eventos atuais é óbvia: novamente alega-seque o capitalismo desregulado criou uma apavorante bagunça, e que somente umacombinação de estímulos fiscais e monetários pode salvar o mundo.


A fim defazer com que essa versão dos eventos se sustente, pouca ou quase nenhumamenção é feita à depressão de 1920-1921.E não é à toa – aquelaexperiência histórica esvazia completamente as ambições daqueles que prometemsoluções políticas aos desequilíbrios reais que existem no âmago de todas asrecessões económicas.


A sabedoriaconvencional afirma que, na ausência de uma política anticíclica do governo,seja fiscal ou monetária (ou ambas), é impossível haver uma recuperação económica- pelo menos não sem uma longa e intolerável demora.Entretanto,políticas exatamente opostas foram seguidas durante a depressão de 1920-1921nos EUA, e a recuperação não tardou.


A situaçãoeconómica nos EUA em 1920 era severa.Naquele ano, o desemprego haviapulado de 4% para quase 12% e o PNB havia declinado 17%.Não é de se estranhar,portanto, que o então Secretário de Comércio Herbert Hoover – até hojefalsamente descrito como um entusiasta do laissez-faire – tenha pedidoveementemente ao então presidente Warren G. Harding que fizesse uma série deintervenções para reativar a economia.Mas Hoover foi ignorado.


Ao invés deum “estímulo fiscal”, Harding reduziu o orçamento do governopraticamente à metade entre 1920 e 1922: os gastos federais declinaram de US$ 6.3mil milhões/bilhões em 1920 para US$ 5 mil milhões/bilhões em 1921 e US$3.3 milmilhões/bilhões em 1922.E o restante da abordagem de Harding foiigualmente laissez-faire: o imposto de renda foi diminuído para todos os gruposde renda e a dívida nacional foi reduzida em 33%.


A atividadedo Federal Reserve (Fed), o banco central americano, foi praticamente impercetível. Como um historiador económico escreveu, “Apesar da severidade da contraçãoeconómica, o Fed não utilizou seus poderes para aumentar a oferta monetária ecombater a recessão”.[2] Noterceiro trimestre de 1921, os sinais da recuperação já eram visíveis.Noano seguinte, o desemprego caiu para 6.7%, e em 1923 já estava em 2.4%.


É bastanteinstrutivo comparar a resposta americana nesse período à japonesa.Em1920, o governo japonês introduziu os fundamentos de uma economia planificada,cujo objetivo era manter os preços artificialmente altos.De acordo com oeconomista Benjamin Anderson:


“Os grandes bancos, as indústrias concentradas e o governoentraram em conluio, destruíram a liberdade dos mercados, interromperam odeclínio dos preços das commodities, e mantiveram o nível de preços do Japãoacima do declinante nível de preços mundial por sete anos.Durante estesanos, o Japão sofreu uma crônica estagnação industrial e, ao final, em 1927,enfrentou uma crise bancária de tamanha severidade que muitas filiais degrandes bancos foram à falência, assim como várias indústrias.Foi umapolítica estúpida.No esforço de se impedir que ocorressem prejuízos comos estoques de um ano de produção, o Japão perdeu sete anos.[3]”


Os EstadosUnidos, em contraste, permitiram que sua economia se reajustasse. Como escreveu Andrrson:


“Em 1920-21 encaramos nossos prejuízos, reajustamos nossa estruturafinanceira, suportamos nossa depressão e, em agosto de 1921, recomeçamos nossocrescimento. A reação ocorrida na produção e no emprego, que começou em agostode 1921, foi solidamente baseada em uma limpeza drástica do crédito malfeito,em uma drástica redução nos custos de produção, e na livre concorrência dainiciativa privada.A reação não se baseou em nenhuma políticagovernamental criada para subsidiar os negócios.”




O governoamericano não fez aquilo que os economistas keynesianos desdeentão vêm insistindo que os países façam: praticar défices orçamentários eestimular vários setores da economia via aumento de gastos.Ao contrário,prevaleceu a antiquada ideia de que o governo deveria manter a tributação e osgastos em níveis baixos e reduzir a dívida pública.[4]


Estes foramos temas económicos da gestão presidencial de Warren Harding.Poucospresidentes americanos são mais impopulares entre historiadores do que Harding,que é rotineiramente retratado como um bobo desajeitado que caiu de paraquedasna presidência.Entretanto, quaisquer que tenham sido suas deficiênciasintelectuais – e foram grotescamente exageradas, como recentes estudiosos vêmadmitindo – e quaisquer que tenham sido seus defeitos morais (seu gabinetesofreu acusações de corrupção), ele compreendeu os fundamentos da expansão económica,da recessão e da recuperação melhor do que qualquer outro presidente do séculoXX.


Em seudiscurso de aceitação após ser confirmado como o candidato Republicano àpresidência dos EUA, Harding declarou:


“Tentaremos uma deflação inteligente e corajosa, eatacaremos a prática do endividamento governamental, algo que só aumenta oinfortúnio e a nocividade, e atacaremos o alto custo do governo com todos osmeios e energia inerentes à capacidade republicana.Prometemos o alívioque advirá da interrupção do gasto e da extravagância, e a renovação da práticada economia do setor público, não apenas porque isso irá aliviar o fardotributário, mas também porque será um exemplo para se estimular a poupança e aeconomia na esfera privada. Estimulemos todas as pessoas a poupar e a economizar, arecorrerem ao sacrifício e à renúncia se preciso for, a uma iniciativa nacionalcontra a extravagância e a magnificência, a um recomprometimento à simplicidadede vida, àquele plano de vida prudente e normal que caracterizam a saúde darepública.Desde que a história da humanidade foi escrita pela primeiravez, os efeitos devastadores trazidos pelos gastos e anormalidades de umaguerra só são superados por meio do trabalho e da poupança, da produção e daabnegação – ao passo que os gastos desnecessários e a extravagância insensataforam responsáveis por todos os declínios na história das nações.”



Édesnecessário chamar a atenção para o facto de que este conselho de Harding – que por incrível que pareça foi dito em um discurso em uma convenção política -é o oposto daquele que os alegados especialistas nos recomendam veementementehoje. Inflação, aumento dos gastos públicos e agressões às poupançasprivadas, tudo isto combinado a clamores por mais consumismo pródigo: este é oprograma para uma “recuperação” no século XXI.


Nãosurpreendentemente, muitos dos atuais economistas que estudaram a depressão de1920-1921 se mostraram incapazes de explicar como a recuperação foi tão rápidae integral mesmo com o governo federal e o banco central tendo se recusado aaplicar qualquer uma das ferramentas macroeconómicas – gastos em obraspúblicas, défices orçamentários e políticas monetárias inflacionistas – que asabedoria convencional hoje preconiza como sendo a solução para as contraçõeseconómicas.O economista keynesiano Robert A. Gordon admitiu que “aspolíticas governamentais para moderar a depressão e acelerar a recuperaçãoforam mínimas.As autoridades do Federal Reserve foram amplamentepassivas… Apesar da ausência de uma política governamental de estímulo, arecuperação não demorou.”[5]


Outrohistoriador económico admitiu que “a economia recuperou-se rapidamente dadepressão de 1920-1921 e adentrou um período de crescimento bastantevigoroso”, porém, como a maioria dos historiadores, ele preferiu não tecermais comentários sobre este fenómeno e nem extrair dele qualquer aprendizado.[6]“Isso foi em 1921”, escreveu com ares de superioridade KennethWeiher, “muito antes do conceito de política anticíclica ter sido aceitoou mesmo compreendido”[7] Podeser que as pessoas daquela época ainda não tinham “entendido” oconceito de política anticíclica, mas a recuperação veio de todo jeito – erapidamente.


Um dos maispervertidos tratamentos do assunto em questão pode ser encontrado nos escritosde dois historiadores do governo Harding, os quais insistem que, caso osgovernos se recusem a confiscar a maior parte da renda dos cidadãos mais ricos,a economia jamais será estável:


“Os cortes de impostos, junto com a ênfase dada aoabatimento da dívida nacional e à redução dos gastos federais, serviram apenaspara favorecer os ricos.Muitos economistas concordam que uma dasprincipais causas da Grande Depressão de 1929 foi a desigual distribuição derenda, a qual pareceu ter se acelerado durante a década de 1920, e que foiresultado desse retorno à normalidade.Cinco por cento da populaçãoamericana detinha mais de 33% da riqueza nacional em 1929.Esse grupo nãofoi capaz de utilizar sua riqueza responsavelmente… Ao contrário, elesestimularam a perniciosa especulação na bolsa de valores, bem como ocrescimento económico desigual.”[8]

Se estateoria – ou pelo menos esta tentativa absurda de se criar uma – fosse correta,o mundo viveria em um constante estado de depressão.Não haviaabsolutamente nada de atípico no padrão de riqueza dos EUA nos anos 1920. Disparidades muito maiores já existiram (e existem) em inúmeros locais e emépocas diferentes, sem que gerassem qualquer distúrbio semelhante.


Com efeito,a Grande Depressão na realidade veio exatamente quando ocorria um dramáticoaumento na fatia da renda nacional ocupada pelos salários – e uma queda nafatia ocupada por juros, dividendos e renda empresarial.[9] O queprova que, para se obter a prosperidade, não é necessária nenhuma expropriaçãoviolenta da renda dos indivíduos.


Entretanto,não basta demonstrar que a prosperidade surge da ausência de estímulos fiscaisou monetários.É preciso entender por que esse resultado é o esperado -em outras palavras, por que a restauração da prosperidade na ausência dosremédios amplamente receitados pelos economistas modernos não foi um fato raroe irrelevante ou um resultado do mero acaso.


Primeiro, épreciso antes de tudo examinar por que a economia de mercado é atormentadapelos ciclos de expansão e recessão.O economista britânico LionelRobbins fez a seguinte pergunta em seu livro The Great Depression,de 1934: Por que todos empreendedores repentinamente cometem um “conjuntode erros” ao mesmo tempo?


Dado que omercado, por meio do sistema de lucros e prejuízos, está constantemente aeliminar os empreendedores menos competentes, por que aqueles relativamentemais capacitados, os quais foram recompensados pelo mercado com lucros e com ocontrole sobre recursos adicionais, repentinamente cometem erros graves – etodos na mesma direção?Será que algo fora da economia de mercado – aoinvés de algo inerente a mesma – pode ser o responsável por este fenómeno?


Ludwig vonMises e F.A. Hayek apontaram a expansão artificial do crédito, normalmente sobos auspícios de um banco central criado pelo governo, como sendo o culpadoextra mercado.(Hayek ganhou o Prémio Nobel em 1974 pelo seu trabalhosobre o que é hoje conhecido como a teoria austríaca dos ciclos económicos.) Quando o banco central expande a oferta monetária – por exemplo, quando compratítulos do governo em posse dos bancos – faz isto criando dinheiroessencialmente do nada.


Estedinheiro vai diretamente para os bancos comerciais (caso os títulos estejam emposse de outra entidade qualquer, o dinheiro vai para esta entidade, queacabará depositando-o em sua conta bancária, fazendo com que o destino final dodinheiro também seja os bancos comerciais).Da mesma forma que o preço deum bem qualquer tende a diminuir quando sua oferta aumenta, o influxo dedinheiro recém-criado causa uma diminuição nas taxas de juros, uma vez que osbancos tiveram um aumento nos seus fundos disponíveis para empréstimos.


As taxas dejuros mais baixas estimulam o investimento em projetos de longo prazo, os quaissão mais sensíveis aos juros do que os projetos de curto prazo. (Compareos juros que são pagos mensalmente para quitar empréstimos de 30 anos com osjuros que são pagos mensalmente para quitar um empréstimo de 2 anos – umapequena redução nos juros terá um impacto substancial no primeiro caso, mas umimpacto desprezível no segundo).Investimentos adicionais em, porexemplo, pesquisa e desenvolvimento (P&D), os quais podem levar anos paraproduzir resultados, irão repentinamente parecer lucrativos, ao passo que nãoteria sido lucrativo fazê-los sem estes menores custos de financiamentotrazidos pelas taxas de juros mais baixas.


Na estruturade produção de uma economia (estrutura do capital), dizemos que P&D é um estágiode produção de “ordem mais alta” do que uma loja de retalho que vendechapéus, por exemplo, já que chapéus estão imediatamente disponíveis para osconsumidores, ao passo que os resultados comerciais da P&D só estarãodisponíveis daqui a um tempo relativamente longo.Quanto mais perto umestágio da produção estiver do produto final a ser comercializado, mais baixo éo estágio que ele ocupa na estrutura de produção.


No livremercado, as taxas de juros coordenam a produção ao longo do tempo.Elasgarantem que a estrutura de produção seja configurada sempre de maneira a estarde acordo com as preferências dos consumidores.Se os consumidores queremque haja mais bens de consumo disponíveis agora, os estágios de ordem maisbaixa da estrutura de produção vão se expandir.Se, por outro lado, elesestão dispostos a adiar o consumo atual (consumindo menos, poupando mais), astaxas de juros irão estimular os empreendedores a aproveitar esta oportunidadepara empregar seus fatores de produção em projetos que não estão voltados paraa satisfação dos desejos imediatos dos consumidores, mas que, tão logo tornem-seuma realidade, gerarão uma maior oferta de bens de consumo.


Se as taxasde juros mais baixas no nosso exemplo tivessem sido o resultado de uma poupançavoluntária da parte do público, e não de uma intervenção do banco central, adiminuição relativa nos gastos em consumo – que é o equivalente a um aumento dapoupança – teria liberado recursos para serem utilizados nos estágios de ordemmais alta da estrutura de produção.Em outras palavras, caso haja umagenuína poupança, a demanda por bens de consumo sofre um declínio relativo; aspessoas estão poupando mais e gastando menos do que antes.


Asindústrias de bens de consumo, por sua vez, sofrem uma relativa contração emresposta a essa diminuição na demanda por bens de consumo.Os fatores deprodução que essas indústrias utilizavam (serviços de transporte de carga, porexemplo) são agora liberados para serem utilizados em estágios mais remotos daestrutura de produção.O mesmo ocorre com a mão-de-obra, aço e outrosinsumos não específicos.


Quando háalguma interferência na estrutura da taxa de juros (que até então vinha sendodeterminada livremente pelo mercado), esta função coordenadora éperturbada.Um aumento dos investimentos nos estágios de ordem mais altada estrutura de produção ocorre em um momento em que a demanda por bens deconsumo não foi reduzida.A estrutura da produção é distorcida de talmodo que não mais corresponde ao padrão temporal determinado pelas demandas dosconsumidores.Os consumidores estão a demandar bens no presentejustamente em um momento em que está a haver um desproporcional aumento nosinvestimentos para a produção de bens futuros.


Portanto,quando taxas de juros mais baixas são resultado de uma política do bancocentral, e não de um aumento genuíno na poupança, não há nenhum recuo nademanda do consumidor.(Na verdade, as taxas mais baixas deixam aspessoas ainda mais propensas a se endividar e gastar).Neste caso, não háuma liberação de recursos para que estes sejam usados nos estágios de ordemmais alta.A economia encontra-se, portanto, em um cabo-de-guerra, comrecursos sendo disputados entre os estágios de ordem mais alta e os estágios deordem mais baixa da estrutura de produção.


Com o passardo tempo, os recursos vão se revelando inesperadamente escassos, o que gera umaumento dos custos.Esse aumento dos custos ameaça a lucratividade dosprojetos de ordem mais alta.O banco central pode expandirartificialmente o crédito ainda mais, com o intuito de reforçar a posição dosestágios de ordem mais alta nesse cabo-de-guerra.Mas isso irá meramenteadiar o inevitável.

Se o padrãode poupança e consumo que foi livremente escolhido pelos indivíduos não estiverdando respaldo a esse desvio de recursos para os estágios de ordem mais alta (maisainda, se estiver na realidade a forçar os recursos a voltarem para aquelasempresas que lidam diretamente com bens de consumo finais), então o bancocentral está numa guerra contra a realidade.Ele terá de, em algummomento, decidir se (a fim de validar toda a expansão havida nos estágios deordem mais alta) está preparado para expandir o crédito a uma taxa galopante earriscar a destruição total da moeda, ou se, ao contrário, deve diminuir oumesmo interromper sua expansão monetária e deixar que a economia se ajustesozinha às condições reais.

É importanteobservar que o problema não está relacionado a uma insuficiência nosgastos em consumo, como a popular noção keynesiana nos faria crer.Nomínimo, o problema advém de um excesso degastos em consumo, o que impede que haja um suficiente direcionamento de fundospara outros tipos de gasto – a saber, a expansão de estágios de produção deordem mais alta, os quais não podem ser lucrativamente concluídos porque osrecursos necessários para tal estão a ser absorvidos exatamente pela inesperadae relativamente mais robusta demanda por bens de consumo.Estimular osgastos em consumo irá apenas piorar as coisas, pois irá estrangular ainda maisos fundos disponíveis para investimento, deteriorando a já declinantelucratividade dos investimentos nos estágios de ordem mais alta.


Observetambém que o fator gerador dos ciclos económicos não é um fenómeno inerente aolivre mercado.É a intervenção nomercado que gera o ciclo do crescimento insustentável seguido da inevitávelrecessão.[10]Como o estudioso dos ciclos económicos Roger Garrison sucintamente coloca,”A poupança nos dá um crescimento genuíno; a expansão do crédito nos dá aexpansão seguida da recessão.”[11]


Este fenómenoantecede todos os grandes ciclos económicos, incluindo a crise de 2007/2008 ea depressão de 1920-1921.Os anos anteriores a 1920 foram caracterizadospor um aumento maciço na oferta monetária por meio do sistema bancário, com ocompulsório dos bancos sendo reduzidos à metade após a criação do FederalReserve em 1913 e, depois, com a considerável expansão do crédito feita pelospróprios bancos.


O total dedepósitos bancários mais que dobrou entre janeiro de 1914, quando o Fed foiinaugurado, e janeiro de 1920.Esse tipo de criação artificial de créditoé que gera os ciclos económicos.O Fed também manteve sua taxa deredesconto (a taxa que cobra por empréstimos feitos diretamente aos bancos) emum nível baixo durante toda a I Guerra Mundial (1914-1918) e por um breveperíodo a seguir a mesma.O Fed só começou a adotar uma postura maiscontracionista no final de 1919.


O economista Gene Smiley, autorde The American Economy in the Twentieth Century,  observa que “A visão mais comumé a de que a política monetária do Fed foi o principal determinante do fim daexpansão económica e da inflação, e do início da subsequente contração económicae da severa deflação de preços.”[12] Tãologo o crédito começou a se contrair, os agentes de mercado repentinamentecomeçaram a perceber que a estrutura de produção tinha de ser rearranjada, eque as linhas de produção que dependiam do crédito fácil representavam uminvestimento errôneo que sequer deveria ter sido iniciado – e que agoraprecisava ser liquidado.


Agorapodemos fazer uma avaliação daquelas propostas perenemente em voga, como”estímulos fiscais” e seus vários similares.Pense na situaçãoda economia logo após a expansão econômica artificial.Ela está repletade desequilíbrios.Recursos em excesso foram empregados nos estágios deprodução de ordem mais alta e recursos insuficientes foram empregados nosestágios de produção de ordem mais baixa.


Essesdesequilíbrios precisam ser corrigidos por empreendedores que, atraídos portaxas de lucro mais altas nos estágios de ordem mais baixa, retiram recursosdaqueles estágios que se expandiram excessivamente e os direcionam para os estágiosde ordem mais baixa, onde estão sendo mais demandados.É essencial quehaja absoluta liberdade de preços e salários para que essa tarefa possa sercumprida, uma vez que preços e salários são ingredientes indispensáveis para aavaliação empreendedorial.


À luz dessadescrição da economia do pós-boom, podemos ver o quão inúteis, até mesmoirrelevantes, são os esforços de um estímulo fiscal.O mero atogovernamental de se gastar dinheiro em projetos arbitrariamente escolhidos emnada ajuda a corrigir os desequilíbrios que levaram à crise.


Não foi umdeclínio nos “gastos” per se quecausou todo o problema.Foi o descompasso entre, de um lado, o tipo deprodução que a estrutura do capital foi erroneamente levada a empreender, e, deoutro, o padrão da demanda do consumidor, que é incapaz de sustentar aestrutura da produção como está.


E não éincorreto se referir aos recebedores do estímulo fiscal como projetosarbitrários.Dado que o governo não funciona sob o mesmo mecanismo delucros e prejuízos que guia uma empresa privada, e dado que pode adquirirrecursos adicionais por meio da expropriação direta do público, ele não temcomo saber se está de facto a satisfazer as demandas do consumidor (considerandoque ele realmente esteja preocupado com isto) ou se o uso que ele faz dosrecursos é grotescamente descuidoso e desperdiçador.Não obstante aretórica popular, o governo não pode ser gerido como uma empresa.[13]

Estímulosmonetários também não são de nenhuma valia.Ao contrário, eles apenasintensificam o problema.EmAção Humana,Mises compara uma economia sob a influência de uma expansão artificial docrédito a um mestre-de-obras encarregado de construir uma casa, sendo que (semque ele saiba) não há tijolos suficientes disponíveis para completá-la. Quanto mais cedo ele descobrir este erro, melhor.Quanto mais tempo eleinsistir neste projeto insustentável, mais recursos e mais tempo de trabalhoserão irremediavelmente desperdiçados.Com isso, no final todos estarãomais pobres, pois capital foi consumido a troco de nada.


Estímulosmonetários meramente encorajam os empreendedores a continuarem empreendendoseus projetos insustentáveis.É como se, ao invés de alertarem omestre-de-obras de que está faltando tijolo, seus subordinados simplesmenteescondessem dele esse facto, ludibriando-o a fim de adiar a inevitável descobertada verdade.Tais medidas não fazem com que a derradeira recessão possaser evitada – apenas tornam-na mais dolorosa.


Se a visãoaustríaca estiver correta (e creio que as evidências teóricas e empíricasfortemente indicam que está), então a melhor abordagem para se estimular arecuperação económica seria oposta a essas estratégias keynesianas.Oorçamento do governo deve ser reduzido, e não aumentado, permitindo assim aliberação de recursos para que agentes privados possam utilizá-los para realinhara estrutura do capital.


A ofertamonetária não deve ser aumentada.Pacotes de socorro a empresas no limiarda falência servem apenas para congelar os erros empreendedoriais, em vez depermitir que esses recursos sejam transferidos para empreendedores mais aptos asuprir as demandas do consumidor, empreendedores que de fato entendam ascondições reais da economia.


Empréstimosde emergência para empresas em dificuldades perpetuam a má alocação de recursose estendem um favoritismo político para empresas que incorrem em práticasinsustentáveis.Da mesma forma que a mencionada acima, esse favoritismopolítico se dá em detrimento de empresas sólidas que estão preparadas ecapacitadas para adquirir estes recursos e direcioná-los para usos mais apropriados.


Estareceita de austeridade governamental é precisamente o que Harding pediu em seudiscurso inaugural de 1921:


“Devemos enfrentar a terrível necessidade, com plenoconhecimento de que a tarefa deve ser resolvida, e devemos prosseguir com aplena compreensão de que nenhum estatuto promulgado pelo homem pode revogar asinexoráveis leis da natureza. Nossa tendência mais perigosa é esperar muitodo governo e, ao mesmo tempo, fazer por ele muito pouco. Contemplamos a tarefaimediata de colocar nossa casa pública em ordem. Precisamos de uma economiarígida, mas sã, combinada com justiça fiscal, e ela deve ser acompanhada pelaprudência individual e parcimônia, que são tão essenciais para esta horadifícil e tranquilizadora para o futuro…

O mecanismo económico é intrincado e suas partesinterdependentes, e sofreu os choques e frangalhos decorrentes de demandasanormais, inflações de crédito e turbulências de preços. Os equilíbrios normaisforam prejudicados, os canais de distribuição foram obstruídos, as relações detrabalho e administração foram tensas. Devemos buscar o reajuste com cuidado ecoragem. … Todas as penalidades não serão leves, nem bem distribuídas. Não hácomo fazê-los assim. Não há um passo instantâneo da desordem à ordem. Devemosenfrentar uma condição de dura realidade, descarregar nossas perdas e começardo zero. É a lição mais antiga da civilização. Eu gostaria que o governofizesse todo o possível para mitigar; então, na compreensão, na mutualidade deinteresses, na preocupação com o bem comum, nossas tarefas serão resolvidas.Nenhum sistema alterado fará um milagre. Qualquer experimento selvagem sóaumentará a confusão. Nossa melhor garantia está na administração eficiente denosso sistema comprovado.”

 

“Devemosprosseguir com a plena compreensão de que nenhuma lei promulgada pelo homempode revogar as leis inexoráveis da natureza.”

-Warren G. Harding


Acompreensão incipiente de Harding sobre o que estava a acontecer com a economiae por que planos intervencionistas grandiosos apenas atrasariam a recuperação éuma raridade extrema entre os presidentes americanos do século XX. O fato deele ter sido objeto de piadas incessantes nas mãos dos historiadores, a pontode qualquer pessoa que falasse uma palavra em seu favor ser imediatamenterejeitada, diz muito sobre as capacidades de nossos historiadores fora de suaprópria disciplina.


Aexperiência de 1920-1921 reforça a argumentação dos genuínos economistaspró-livre mercado de que a intervenção governamental é um obstáculo àrecuperação económica.Os keynesianos costumam dizer que economiaamericana recuperou-se rapidamente da depressão de 1920-1921 apesar daausência de estímulos fiscais e monetários.Errado.É exatamenteporque tais medidas foram evitadas, que ela se recuperou rapidamente. 

 

[1] Sobre a falácia da “prosperidade dos tempos deguerra” trazida pela Segunda Guerra Mundial, ver Robert Higgs, Depression,War, and Cold War (New York: Oxford University Press, 2006).

[2] Kenneth E. Weiher, America’sSearch for Economic Stability: Monetary and Fiscal Policy Since 1913 (New York: Twayne, 1992), p. 35.

[3] Sobre o Japão, ver Benjamin M.Anderson, Economics and the Public Welfare: A Financial and EconomicHistory of the United States, 1914-1946 (Indianapolis: Liberty Press, 1979 [1949]), pp. 88-89, 90.

[4] Ibid., p. 92.

[5] Robert Aaron Gordon, EconomicInstability and Growth: The American Record (New York: Harper and Row, 1974), pp. 21-22, citado em Joseph T. Salerno,”An Austrian Taxonomy of Deflation – WithApplications to the U.S.“, QuarterlyJournal of Austrian Economics 6 (Winter 2003): 89.

[6] Robert A. Degen, The AmericanMonetary System: A Concise Survey of Its Evolution Since 1896(Lexington, MA: D. C. Heath, 1987), p. 41.

[7] Weiher, America’s Search forEconomic Stability , p. 36.

[8] Eugene P. Trani and David L.Wilson, The Presidency of Warren G. Harding (Lawrence, KS: University Press of Kansas, 1977), p. 72.

[9] C. A. Phillips, T. F. McManus, and R.W. Nelson, Banking and the Business Cycle: A Study of the Great Depressionin the United States(New York: Macmillan, 1937), p. 76.

[10] A teoria austríaca também se aplica aos casos emque não havia nenhum banco central e a expansão artificial do crédito ocorreupor outros meios.A intervenção governamental também é a culpada.  Ver JesúsHuerta de Soto, Money, Bank Credit, and Economic Cycles,trans. Melinda A. Stroup (Auburn, AL: Ludwig von Mises Institute, 2006).

[11] Roger W. Garrison, “The AustrianTheory: A Summary,” in The Austrian Theory of the Trade Cycle andOther Essays, comp. Richard M. Ebeling (Auburn, AL: Ludwig von Mises Institute, 1996), p.99.

[12] Gene Smiley, “The U.S. Economy in the 1920s,”EH.Net Encyclopedia, ed. Robert Whaples, March 26, 2008.

[13] Ludwig von Mises, Bureaucracy (New Haven, CT: Yale University Press,1944).

 

 

Artigooriginalmente publicado no Mises Institute.

 

Traduçãoe edição de André Marques.

 

Autor:Tom Woods, membro sénior do Mises Institute, é autor de uma dúzia de livros,mais recentemente Real Dissent: ALibertarian Sets Fire to the Index Card of Allowable OpinionOs artigos de Tom apareceram em dúzias de periódicos populares e académicos, eseus livros foram traduzidos para uma dúzia de idiomas. Tom apresenta o TomWoods Show, umpodcast libertário que lança um novo episódio todos os dias da semana. Com BobMurphy, ele coapresenta Contra Krugman,um podcast semanal que refuta a coluna de Paul Krugman no New York Times.

 

Nota: Asopiniões expressas neste artigo não necessariamente vão totalmente de acordocom as da Elementum Portugal e do tradutor/editor deste artigo.

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