Daniel Lacalle | A Desaceleração da Economia Chinesa Deve-se a Muito Mais do Que os Confinamentos



Os números macroeconómicos mais recentesmostram que a desaceleração da economia chinesa é muito mais severa do que oesperado e não é atribuível apenas aos confinamentos do COVID-19.


Os confinamentos têm um impacto enorme. 26 das31 províncias continentais da China têm crescentes casos de COVID e o medo deum confinamento como o de de Xangai é enorme. As informações vindas de Xangaicomprovam que estes confinamentos drásticos geram um enorme dano à população.Milhões de cidadãos sem comida ou remédios e suicídios crescentes mostraram quea infame política de “covid-zero” muitas vezes disfarça o controlo e arepressão da população.


É fácil usar os confinamentos como motivo doenfraquecimento da economia chinesa, mas isto seria uma simplificaçãogrosseira. O problema é mais profundo.


A China está a passar por uma fortedesaceleração causada pelo estouro da enorme bolha imobiliária e pela repressãoao setor privado [Nota do editor: veja alguns exemplos disto aqui],o que levou a um corte no crescimento do investimento.


Segundo a Nomura Research, a China enfrenta apior desaceleração desde o surto de COVID em 2020 e o mundo deve se preocuparcom mais uma, pois os desafios persistem. Os números oficiais do PIB podem sermanipulados para cumprir a meta do governo, mas todos os outros números macroapontam para um crescimento muito mais fraco.


Devemos lembrar que há duas maneiras pelasquais o governo chinês “aumenta” o PIB real [Nota do editor: a maioria dosoutros governos faz o mesmo, em maior ou menor grau]: publicando uma taxa de inflaçãoe deflator do PIB baixos e aumentando maciçamente os gastos com crédito einfraestrutura. No entanto, estes dois não podem disfarçar a importância doenfraquecimento da economia chinesa, porque agora é estrutural.


O colapso da bolha imobiliária é o maiorproblema. Uma pesquisa de Kenneth Rogoff e Yuanchen Yang estimou que o setorimobiliário representa cerca de 29% do PIB da China. É impossível para ogoverno chinês compensar o impacto de uma parte tão grande da economia comoutros setores de alto crescimento. Além disto, o impacto do setor imobiliáriono mercado de trabalho é difícil de substituir. O economista George Magnusalertou que o impacto do colapso imobiliário duraria anos.


Para se somar a um difícil problemaimobiliário, a intervenção do governo no setor privado torna ainda mais difícilimpulsionar o crescimento com outras indústrias e negócios. O medo de umaintervenção política constante está a levar a uma desaceleração maciça docrescimento do investimento estrangeiro direto, bem como o medo de empregarcapital e correr riscos na economia chinesa apenas para sofrer gravespenalidades das autoridades quando os lucros chegarem.


A extensão da deterioração da economia chinesaé evidente nos indicadores antecedentes recentes. O Caixin China General Manufacturing Purchasing Managers’Index [Nota do editor: este índice mensura o desempenho do setor demanufatura] caiu para 48.1 (o mais baixo em 25 meses) em março de 2022,sinalizando contração. O Caixin Services PMI [Nota do editor: este índicemensura o desempenho do setor de serviços] despencou para 42 em março (de 50.2em fevereiro), caindo abaixo do nível que separa crescimento de contração. Estaleitura indica o declínio mais acentuado da atividade desde fevereiro de 2020.


A intervenção política no setor de tecnologia,que é um dos principais geradores de empregos na China, provocou temores dedemissões e de layoffs, segundo vários relatos dos media. Além disto, a decisãodo banco central de cortar a taxa de reservas compulsórias para os bancos contribuiupara que não houvesse uma queda significativa do crescimento do crédito,conforme relatado pelo JP Morgan.


A tudo isto devemos acrescentar uma moeda, oyuan, que é utilizada em menos de 3% das transações globais, segundo a Reuters,devido aos extremos controles de capitais e à fixação cambial imposta pelobanco central. A confiança na moeda local é baixa devido à extrema intervençãono mercado cambial, que impede a China de ter um meio de pagamentoverdadeiramente internacional.


A alta dívida da China também é um problema. Adívida total está acima de 300% do PIB, segundo o Institute of InternationalFinance. O BCE (Banco Central Europeu) destaca que a relação dívida/PIB daChina para todo o setor privado está acima de 250% e o componente corporativodesta dívida é o mais alto do mundo. O BCE também aponta para o risco criadoporque “uma proporção significativa de financiamento é fornecida ao setorcorporativo por instituições financeiras não bancárias”, levando a uma maior tomadade riscos e a um sistema bancário paralelo que leva a grandes ineficiências edesafios de solvência.


Os confinamentos agressivos e equivocadosestão a afetar as cadeias de suprimentos e a atividade, mas os problemasestruturais da crescente intervenção na moeda e nas indústrias, bem como ummodelo económico altamente endividado, provavelmente arrastarão o crescimentoreal e os empregos por muito tempo.



Artigo originalmente publicado no site doDaniel Lacalle.


Tradução e edição de André Marques.


Autor: Daniel Lacalle é um economista e gestorde fundos espanhol, autor dos bestsellers Freedom or Equality (2020), Escapefrom the Central Bank Trap (2017), e Life in the Financial Markets (2014). Éprofessor de economia na IE Business School em Madrid.


Nota: As opiniões expressas neste artigo nãonecessariamente vão totalmente de acordo com as da Elementum Portugal e dotradutor/editor deste artigo.

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