Na última sexta-feira, o ministro das Finançasalemão, Christian Lindner, apresentou planos do país para o regresso àausteridade em 2023, para reduzir a dívida pública.
“Queremos que este orçamento envie umamensagem e que seja este o nosso contributo para a luta contra a inflação, coma redução da dívida”, afirmou Lindner. “O BCE deve fazer o que considerarapropriado”.
Os planos da Alemanha para 2023 incluem ocumprimento do chamado “travão da dívida” pela primeira vez desde 2019. Esteinstrumento exige que em tempos de normalidade económica (em tempos em que nãohá recessão) o défice orçamentário do governo não exceda 0.35% do PIB.
O défice orçamentário do governo alemão fechouo ano de 2021 em 2.7% do PIB. E a taxa de inflação ao consumidor na Alemanha atingiu 8.7% em maio.
Lindner também mencionou que, além danecessidade de cumprir uma norma constitucional, existem razões económicas paravoltar à austeridade, como o aumento das taxas de juro dos títulos de dívidapública:
“O aumento das taxas de juro é um sinal clarodos mercados que não pode continuar como nos últimos anos. Não podemoscontinuar a permitir-nos dívidas elevadas. As dívidas de hoje são os aumentosde impostos de amanhã”, disse. “As dívidas também geram inflação e não querogerar mais inflação”, realçou.
Entre as medidas previstas para a redução dodéfice orçamentário estão uma diminuição de funcionários públicos de 1.5% ecortes nos orçamentos de sete ministérios. Ainda assim, Lindner descartoupossíveis aumentos de impostos, alegando que seriam “uma sabotagem da recuperaçãoeconómica”.
Sim, uma austeridade do tipo diminuição degastos e aumento de impostos seria prejudicial à economia. Como afirma oeconomista Leandro Roque, ao escrever sobre os quatro tipos de austeridade, aumentar impostos e cortar gastos é o tipo de austeridade que gera umarecessão mais intensa:
“De um lado, o corte de gastos debilitaaquelas empresas que dependem do governo, o que é bom; mas, de outro, o aumentode impostos confisca ainda mais capital da sociedade, mais especificamente dosetor produtivo, que é justamente quem absorveria a mão-de-obra demitida dasempresas que faliram em decorrência dos cortes de gastos do governo.Você tem, portanto, o pior dos doismundos.Aumento do desemprego, populaçãocom menor poder de compra, e setor privado sem capital para contratar.É isso que a Europa está fazendo [o autor serefere aqui à austeridade feita por alguns países da zona euro após a crise dasdívidas soberanas do início da década passada].”
Segundo Roque, a maneira certa de se fazerausteridade é reduzir impostos e cortar gastos em uma intensidade maior do queo corte de impostos:
“A redução de gastos do governo faz com queempresas ineficientes que dependem do governo sejam enxugadas (ou quebrem) eliberam mão-de-obra e recursos escassos para empreendimentos produtivos egenuinamente demandados pelos cidadãos. E as empresas responsáveis por esses empreendimentos produtivos terãomais facilidade para contratar essa mão-de-obra demitida porque, em decorrênciada redução nos impostos, elas agora têm mais capital e seus consumidores, maispoder de compra.
Além de não provocar uma recessão profunda —haverá recessão apenas se o governo impuser medidas que retardem a realocaçãode mão-de-obra de um setor para o outro (por exemplo, aumentando oseguro-desemprego ou o salário mínimo, ou impondo altos encargos sociais queencareçam o processo de demissão e contratação) —, esta maneira é a única quereduz duplamente o desperdício de capital e, com isso, permite uma maioracumulação de capital.Maior acumulaçãode capital significa maior abundância de bens produzidos no futuro.E maior abundância de bens significa maiorqualidade de vida.
Portanto, há austeridade e”austeridades”.A melhormaneira é também a menos indolor e a mais propícia ao enriquecimento futuro deuma sociedade.É injustificável não aadotar.”
Como referi aqui uma diminuição dos gastos e endividamento dosgovernos seria ótima para economia da zona euro (inclusive, seria um enormefator para conter o aumento da taxa de inflação, podendo até diminuí-la).Porém, como já mencionei em outros artigos, mesmo que os governos secomprometam a fazer uma austeridade, é pouco provável que o façam sempre. Cedoou tarde, os governos voltam a aumentar os gastos e endividamento.
A questão é saber se os membros da zona euro,além da Alemanha, também realizarão uma austeridade e se será da mesmaintensidade (ou até mais intensa) da alemã. A Alemanha possui um histórico demenor irresponsabilidade fiscal; Portugal, Itália, Espanha e Grécia (que são osmembros da zona euro com as maiores dívidas), não.
André Marques