Neste artigo, pretendo explicar brevemente o que são osjuros segundo a Escola Austríaca de Economia. Para isto, é necessário compreender o sistema de formação de preços e oconceito de preferência temporal.
Para a Escola Austríaca, o preço é um sinal que guiadecisões de empreendedores e consumidores, sendo essencial para uma alocação derecursos eficiente. Em um livre mercado, os preços guiam as tomadas de decisõesde produtores, que empreendem tentando suprir uma demanda específica deconsumidores, o que, com o aumento da eficiência e da concorrência, baixa ospreços e aumenta a quantia de bens e serviços disponíveis. Henry Hazlitt, emseu livro Economia numa Única Lição, na página 109, explica que quando há um aumento da demanda(sem um aumento da oferta) o preço sobe, o que aumenta os lucros daquele que fabricao artigo (passando a produzir mais). Assim, outros empreendedores são atraídos paraeste setor. Esse aumento da oferta reduz o preço e a margem de lucro (podendogerar prejuízo). Nesse caso, os produtores ‘marginais’ (aqueles menoseficientes, cujo custo de produção é mais elevado) são excluídos do mercado.Desta forma, o produto é fabricado apenas pelos produtores mais eficientes, queoperam a custos mais baixos.
Portanto, quando há um controlo de preços (por umaautoridade central) para baixo, de forma a tentar beneficiar o consumidor,ocorre uma escassez de produtos, pois os incentivos para produzir diminuem. Oscustos envolvidos na produção são maiores que o preço determinado arbitrariamente.
Este mecanismo de formação de preços também se aplica aosjuros, que são o preço mais importante da economia pois influencia diretamente astomadas de decisão de investimentos, sobretudo os de prazos mais longos. Comojá afirmado, para compreender o que são juros, é necessário saber o que é a preferênciatemporal.
Como explica Hans-Hermann Hoppe neste artigo, nas páginas 7 e 8, a ação humana é influenciada pela preferência temporal. Quando age, o ser humano não apenas deseja substituir uma situação de menor satisfação por uma de maior satisfação (e demonstra uma preferência por mais bens ao invés de menos), mas, também, considera quando seus desejos serão atingidos (o tempo, que é escasso, necessário para tal). Assim, bens presentes tendem a ser mais valorizados que bens futuros. A preferência temporal é diferente em cada indivíduo e pode mudar ao longo do tempo. E, por definição, é sempre positiva. A taxa de juros é a soma de todas as preferências temporais individuais que tende a equilibrar a poupança (oferta de bens presentes em troca de bens futuros) e o investimento (demanda por bens presentes para a geração de retornos futuros).
Portanto, Hoppe afirma, na página 11, que caso osindivíduos satisfaçam mais suas demandas presentes que as futuras haverá pouca poupançadisponível, refletindo uma alta preferência temporal. Caso estejam mais dispostos a adiarparte de seu consumo presente (não é possível adiá-lo por completo pois o indivíduosempre possui desejos e necessidades presentes) haverá mais poupança disponível,refletindo uma preferência temporal baixa. Uma baixa preferência temporal permiteque haja investimentos mais intensivos em capital e mais prolongados, que aumentam aprodutividade da economia e o bem-estar dos indivíduos. Isto permite que o consumoseja maior, além de aumentar a produtividade marginal do trabalho (podendo gerar maisempregos e maiores salários reais). O autor argumenta que estes investimentos só sãopossíveis devido à poupança prévia (abstenção de consumo presente). O crescimento económicoadvém, portanto, de uma baixa preferência temporal, que leva a um aumento daproporção de poupança e investimento em relação à de consumo, e,consequentemente, a uma taxa de juros baixa que pode sustentar este crescimento.
O autor também afirma, na página 9, que a taxa de juro,por refletir a preferência temporal, é independente da moeda, e, portanto, é umfenómeno real, não monetário. Mesmo que não houvesse moeda, haveria uma taxa depreferência temporal entre os indivíduos e uma taxa de juros, que apenas não seria representadamonetariamente.
Para melhor ilustrar este conceito, imagine que você tem1000 euros e quer usá-los para adquirir um computador pois o seu já nãofunciona bem e precisa de outro com urgência. Porém, imagine que eu peça 1000euros emprestados a você e digo que vou pagar no mês seguinte. Bom,considerando que você precisa do dinheiro com urgência, é possível que você nãofizesse o empréstimo. Mas imagine que eu prometesse juros de 50%. Para você, éum bom negócio, pois, no mês seguinte, teria 1500 euros e, talvez, pudesseadquirir um computador ainda melhor. Para mim, pode ter sido um fardofinanceiro, mas, provavelmente, é porque eu preferi ter os 1000 euros logo ater de esperar para juntá-los, mesmo tendo de pagar 500 euros de juros. Eu tiveuma alta preferência temporal; você, baixa.
Mas imagine que, em vez de mil euros, você tenha dez mile eu peça mil euros emprestados a você novamente. Será que você cobraria jurostão altos? E se você tivesse 20 mil, 50 mil ou até 100 mil? Possivelmente osjuros que cobraria sobre o empréstimo de 1000 seriam menores. Afinal, a ofertade crédito é maior. Claro, você também levaria em consideração o meu históricode crédito, que teria impacto nos juros que cobraria de mim. Mas, via de regra(e não havendo intervenções do governo), quanto mais baixa for a preferênciatemporal presente nos indivíduos, maior o nível de poupança tende a ser, e, porconsequência, a taxa de juros tende a ser menor.
Nota: alguns conteúdos deste artigo foram adaptados deminha tese de mestrado, disponível aqui.
André Marques