O governo anunciou recentemente algumas medidas para atenuar o impacto que o aumento dos preços tem causado às famílias portuguesas. Porém, as medidas vão ser pagas pelos próprios beneficiários (afinal, nada que o governo faz é gratuito, já que tudo o que o governo gasta é paga por pagadores de impostos, direta ou indiretamente). Além disto, caso o custo destas medidas (que, segundo o governo, já atinge € 4 mil milhões) seja total ou parcialmente financiado com endividamento (visto que a dívida pública portuguesa tende a aumentar), as medidas podem até ser inflacionárias, caso o Banco Central Europeu (BCE) compre os títulos emitidos para financiar estes custos). Medidas semelhantes estão a ser discutidas ou implementadas na Alemanha.
Vejamos o exemplos de quatro das medidas anunciadas pelo governo português.
1-O Governo deve dar cheque de 125 euros a trabalhadores com rendimentos até 2700 euros mensais brutos. Este valor é atribuído por indivíduo e será pago em outubro. Além disto, o governo deve enviar, independentemente do rendimento da família, o pagamento extraordinário de 50 euros por cada descendente criança ou jovem que tenham a cargo (para dependentes até aos 24 anos).
2-Redução para 6% da taxa de 13% do IVA aplicado à eletricidade a partir de outubro de 2022 até dezembro de 2023. Esta medida deve ser proposta à assembleia da república.
3-Subida das rendas limitadas a 2% em janeiro de 2023.
4-Isenção de 9% dos rendimentos dos senhorios para os compensar pelo travão nas rendas.
A 1ª medida consiste em apenas o governo tirar dinheiro das pessoas e devolver (ou devolver apenas uma parte). São os próprios trabalhadores que geram riqueza a ser expropriada pelo governo (que devolve uma parte do valor). Além disto, caso estes custos não sejam acompanhados por uma diminuição de gastos no mesmo valor (ou maior), o governo financiará isto com emissão de dívida. A emissão de dívida é mais cara ao pagador de impostos do que meramente o financiamento por meio de impostos porque, além de o governo estar a gastar o valor do principal, o pagador de impostos deverá pagar pelos juros desta dívida, direta ou indiretamente (para pagar os juros, o governo, se não cortar gastos, terá de aumentar impostos ou emitir mais dívidas). Esta 1ª medida é, na melhor das hipóteses, inefetiva; na pior, prejudicial aos supostos beneficiários.
A 3ª medida nada mais é do que um controlo de preços. E controlo de preços (ou quaisquer outras intervenções do governos em transações voluntárias) prejudicam sempre a parte mais fraca da transação (neste caso, os inquilinos). Veja o exemplo do controlo de preços das rendas em Berlim.
Já as medidas 2 e 4 poderiam ser muito boas (qualquer corte de impostos é benéfico à economia) se fossem acompanhadas por cortes de gastos no mesmo valor (ou maior) do que o valor que o governo deixará de expropriar devido à redução de impostos, pelo mesmo motivo do que mencionei ao comentar a 1ª medida.
Uma nota sobre a 2ª medida: a atual taxa de IVA de 13% (que deve ser reduzida para 6%) é aplicada apenas aos primeiros 100 kWh, um valor facilmente ultrapassável.
Estas medidas podem ser inflacionárias? Apenas se estes gastos forem financiados através de endividamento e se os títulos de dívida emitidos para tal forem total ou parcialmente adquiridos pelo BCE. Se os títulos forem absorvidos pelo mercado, a emissão de dívida, por si só, não deverá ser inflacionária e não deve exercer pressão sobre os preços.
Porém, estas medidas, mesmo que não sejam inflacionárias, são prejudiciais à economia, pois os gastos governamentais são uma alocação de recursos forçada e ineficiente (já que não são voluntárias, não são guiadas por um mecanismo de lucros e prejuízos e acabam por desperdiçar recursos). Veja detalhes aqui, aqui e aqui. E, para saber mais sobre o financiamento de gastos do governo e por que uma redução de impostos deve ser acompanhada por uma redução de gastos, clique aqui.
Além disto, como mencionei aqui, são os mais pobres (os supostos beneficiários dos programas de governo) que mais pagam pelos gastos do governo. Os governos fingem que ajudam os pobres, quando, na verdade, estão apenas perpetuam a pobreza.
Se o governo realmente quisesse diminuir o impacto do aumento dos preços (que, em grande parte, foi gerado pelos próprios governos da zona euro e pelo BCE), faria uma diminuição de impostos ainda maior, acompanhada de uma equivalente (ou maior) diminuição de gastos.
André Marques